Por: Rangel Alves da Costa(*)
O
POLVO NÃO SABE VOTAR
Por favor,
leia novamente o título. Leu? Então viu que escrevi polvo e não povo. E eu quis
dizer isso mesmo: O polvo não sabe votar. Assim, qualquer coincidência com o
outro animal votante será obra do acaso. Ou não?
Pois bem. Eis
que por motivos lógicos o polvo não sabe votar, sequer sabe o que seja voto.
Possui braços além da conta, dedos por todo lugar, mas na hora de votar sempre
se embanana todo e acaba escolhendo o pior. É sempre assim. Erra, se
penitencia, mas reincide no erro. Não tem jeito pra o polvo.
Triste sina a
do polvo. Queria ser apenas um molusco, um ser vivente das águas marinhas,
fazendo moradia entre rochas e tocas aquáticas, escondendo-se dos predadores,
cuidando de seus afazeres com a ajuda dos seus oito tentáculos. Mas não, os
tubarões o obrigam a votar. E dá no que dá.
É braço pra
não acabar mais, mas parecendo de pouca valia. A hora do voto que o diga.
Nenhum dos tentáculos acerta um candidato que seja, ao menos, espécie rara que
possa trazer esperança. Já pensou em decepar seis dos oito braços, ficando
apenas com dois, mas foi aconselhado a não fazer isso. Disseram que não
adiantava, pois quem tem dois braços ou apenas um vive errando no voto do mesmo
jeito.
O polvo até
que gostaria que não fosse assim, mas está obrigado a votar. Os tubarões que
comandam tudo, que tudo fazem para manter o poder sobre as águas oceânicas e
além-mar, não deixam que a escolha dos seus representantes seja facultativa. E
dizem que fazem assim para assegurar duas coisas ao mesmo tempo: a
obrigatoriedade, e dessa obrigação o poder barganhar o voto de cada um. E nisto
o polvo concorda.
Contudo, o
próprio polvo reconhece sua culpa nisso tudo. Possui braços suficientes para
mantê-los sempre ocupados, porém é preguiçoso demais; lento que só, com um
corpo mole e todo malamanhado, sempre prefere ficar preguiçosamente recolhido
na sua toca a sair para a luta. Seu alimento é praticamente o mesmo,
resumindo-se a peixes, crustáceos e pequenos invertebrados.
Foram tais
aspectos que tornaram o polvo tão submisso, tão dependente dos tubarões para
sobreviver. Ora, preguiçoso, sempre se esquivando de trabalhar para obter
alimento melhor e mais rico, preferindo viver na moleza e cochilando na sua
toca, criando uma vergonhosa situação de mendicância, logo passou a constar do
caderninho dos tubarões.
Sempre atentos
a tais situações, então os políticos do reino marinho, que são os tubarões mais
ardilosos que existem, se aproveitam das circunstâncias. Conhecendo bem a
incompetência mental do polvo para pensar, e a indolência para suprir suas
necessidades por conta própria, logo procuram garantir o alimento ali mesmo na
beira da toca.
Daí que o
polvo nem precisa sair do seu recanto, de seu buraco, para receber um pedaço
disso e um quilo daquilo. Mesmo sabendo que estão alimentando o ócio e a
lassidão, os tubarões demagogicamente se orgulham da vergonhosa caridade.
Escolhem a ralé da peixaria, tudo que seja pequeno e ruim, mandam colocar numa
cesta e entregar ao polvo. Mas tudo com a vileza das intenções.
O polvo,
coitado, iludido com o quase nada recebido, vai levando a vidinha mansa até
receber a visita dos emissários dos tubarões ou de alguns deles, de vez em
quando. Maravilhado com a visitação do poder, o polvo fica tão extasiado que
nem se lembra de dizer que suas águas estão infectadas demais ou que predadores
estranhos estão surgindo por todo lugar.
Por nada
dizer, nada falar, nada contestar, só resta ao polvo ouvir as ladainhas bem
ensaiadas dos tubarões e seus comandados. Mil promessas são feitas, coisas
mirabolantes irão surgir, aquelas águas se tornarão num verdadeiro paraíso para
o polvo. Mas tudo somente será possível se puder contar com sua ajuda, a tão
necessária ajuda do polvo, para, através do voto, garantir a vitória dos
tubarões.
E então o
polvo cai na conversa, logo se compromete, e depois cumpre. Pensando em
continuar recebendo aquela cestinha com pedacinhos de peixes, esquece de vez
sua condição de molusco poderoso, de animal com muitas defesas. Ajoelhado,
enfraquecido, não tem nem forças para lembrar que possui mecanismos de defesa.
Verdade é que
o polvo, querendo usar, pode contar com três mecanismos típicos de defesas:
glândulas de tinta, camuflagem e autonomia dos braços. A maioria dos polvos é
capaz de liberar um jato de tinta para escapar de predadores. Através da
camuflagem, pode alterar a cor aparente de sua pele. Por sua vez, quando
ameaçado, tem a capacidade de livrar-se de alguns braços para iludir os
predadores.
Mas nada disso
procura fazer. Na hora de votar, ainda iludido com as promessas dos tubarões,
apressa os seus muitos braços em direção às teclas. E vai apertando, num tanto
faz como tanto fez, jogando como ensinaram a jogar. E quando se arrepende, já é
tarde demais. Somente quando o sofrimento chega quer deixar de ser polvo e se
transformar em lula, que é um molusco famoso por ter esqueleto interno.
Mas ser lula
não é para qualquer um. Continuará sendo polvo mesmo, e com todo o sofrimento
que merecer.
(*) Meu nome é Rangel Alves da Costa, nascido no sertão sergipano do São Francisco, no município de Poço Redondo. Sou formado em Direito pela UFS e advogado inscrito na OAB/SE, da qual fui membro da Comissão de Direitos Humanos. Estudei também História na UFS e Jornalismo pela UNIT, cursos que não cheguei a concluir. Sou autor dos eguintes livros: romances em "Ilha das Flores" e "Evangelho Segundo a Solidão"; crônicas em "Crônicas Sertanejas" e "O Livro das Palavras Tristes"; contos em "Três Contos de Avoar" e "A Solidão e a Árvore e outros contos"; poesias em "Todo Inverso", "Poesia Artesã" e "Já Outono"; e ainda de "Estudos Para Cordel - prosa rimada sobre a vida do cordel", "Da Arte da Sobrevivência no Sertão - Palavras do Velho" e "Poço Redondo - Relatos Sobre o Refúgio do Sol". Outros livros já estão prontos para publicação. Escritório do autor: Av. Carlos Bulamarqui, nº 328, Centro, CEP 49010-660, Aracaju/SE.
Poeta e cronista
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