segunda-feira, 1 de abril de 2013

O POLVO NÃO SABE VOTAR (Crônica)

Por: Rangel Alves da Costa(*)

O POLVO NÃO SABE VOTAR 

Por favor, leia novamente o título. Leu? Então viu que escrevi polvo e não povo. E eu quis dizer isso mesmo: O polvo não sabe votar. Assim, qualquer coincidência com o outro animal votante será obra do acaso. Ou não?

Pois bem. Eis que por motivos lógicos o polvo não sabe votar, sequer sabe o que seja voto. Possui braços além da conta, dedos por todo lugar, mas na hora de votar sempre se embanana todo e acaba escolhendo o pior. É sempre assim. Erra, se penitencia, mas reincide no erro. Não tem jeito pra o polvo.

Triste sina a do polvo. Queria ser apenas um molusco, um ser vivente das águas marinhas, fazendo moradia entre rochas e tocas aquáticas, escondendo-se dos predadores, cuidando de seus afazeres com a ajuda dos seus oito tentáculos. Mas não, os tubarões o obrigam a votar. E dá no que dá.

É braço pra não acabar mais, mas parecendo de pouca valia. A hora do voto que o diga. Nenhum dos tentáculos acerta um candidato que seja, ao menos, espécie rara que possa trazer esperança. Já pensou em decepar seis dos oito braços, ficando apenas com dois, mas foi aconselhado a não fazer isso. Disseram que não adiantava, pois quem tem dois braços ou apenas um vive errando no voto do mesmo jeito.

O polvo até que gostaria que não fosse assim, mas está obrigado a votar. Os tubarões que comandam tudo, que tudo fazem para manter o poder sobre as águas oceânicas e além-mar, não deixam que a escolha dos seus representantes seja facultativa. E dizem que fazem assim para assegurar duas coisas ao mesmo tempo: a obrigatoriedade, e dessa obrigação o poder barganhar o voto de cada um. E nisto o polvo concorda.


Contudo, o próprio polvo reconhece sua culpa nisso tudo. Possui braços suficientes para mantê-los sempre ocupados, porém é preguiçoso demais; lento que só, com um corpo mole e todo malamanhado, sempre prefere ficar preguiçosamente recolhido na sua toca a sair para a luta. Seu alimento é praticamente o mesmo, resumindo-se a peixes, crustáceos e pequenos invertebrados.

Foram tais aspectos que tornaram o polvo tão submisso, tão dependente dos tubarões para sobreviver. Ora, preguiçoso, sempre se esquivando de trabalhar para obter alimento melhor e mais rico, preferindo viver na moleza e cochilando na sua toca, criando uma vergonhosa situação de mendicância, logo passou a constar do caderninho dos tubarões.

Sempre atentos a tais situações, então os políticos do reino marinho, que são os tubarões mais ardilosos que existem, se aproveitam das circunstâncias. Conhecendo bem a incompetência mental do polvo para pensar, e a indolência para suprir suas necessidades por conta própria, logo procuram garantir o alimento ali mesmo na beira da toca.

Daí que o polvo nem precisa sair do seu recanto, de seu buraco, para receber um pedaço disso e um quilo daquilo. Mesmo sabendo que estão alimentando o ócio e a lassidão, os tubarões demagogicamente se orgulham da vergonhosa caridade. Escolhem a ralé da peixaria, tudo que seja pequeno e ruim, mandam colocar numa cesta e entregar ao polvo. Mas tudo com a vileza das intenções.

O polvo, coitado, iludido com o quase nada recebido, vai levando a vidinha mansa até receber a visita dos emissários dos tubarões ou de alguns deles, de vez em quando. Maravilhado com a visitação do poder, o polvo fica tão extasiado que nem se lembra de dizer que suas águas estão infectadas demais ou que predadores estranhos estão surgindo por todo lugar.

Por nada dizer, nada falar, nada contestar, só resta ao polvo ouvir as ladainhas bem ensaiadas dos tubarões e seus comandados. Mil promessas são feitas, coisas mirabolantes irão surgir, aquelas águas se tornarão num verdadeiro paraíso para o polvo. Mas tudo somente será possível se puder contar com sua ajuda, a tão necessária ajuda do polvo, para, através do voto, garantir a vitória dos tubarões.

E então o polvo cai na conversa, logo se compromete, e depois cumpre. Pensando em continuar recebendo aquela cestinha com pedacinhos de peixes, esquece de vez sua condição de molusco poderoso, de animal com muitas defesas. Ajoelhado, enfraquecido, não tem nem forças para lembrar que possui mecanismos de defesa.

Verdade é que o polvo, querendo usar, pode contar com três mecanismos típicos de defesas: glândulas de tinta, camuflagem e autonomia dos braços. A maioria dos polvos é capaz de liberar um jato de tinta para escapar de predadores. Através da camuflagem, pode alterar a cor aparente de sua pele. Por sua vez, quando ameaçado, tem a capacidade de livrar-se de alguns braços para iludir os predadores.

Mas nada disso procura fazer. Na hora de votar, ainda iludido com as promessas dos tubarões, apressa os seus muitos braços em direção às teclas. E vai apertando, num tanto faz como tanto fez, jogando como ensinaram a jogar. E quando se arrepende, já é tarde demais. Somente quando o sofrimento chega quer deixar de ser polvo e se transformar em lula, que é um molusco famoso por ter esqueleto interno.

Mas ser lula não é para qualquer um. Continuará sendo polvo mesmo, e com todo o sofrimento que merecer.

(*) Meu nome é Rangel Alves da Costa, nascido no sertão sergipano do São Francisco, no município de Poço Redondo. Sou formado em Direito pela UFS e advogado inscrito na OAB/SE, da qual fui membro da Comissão de Direitos Humanos. Estudei também História na UFS e Jornalismo pela UNIT, cursos que não cheguei a concluir. Sou autor dos eguintes livros: romances em "Ilha das Flores" e "Evangelho Segundo a Solidão"; crônicas em "Crônicas Sertanejas" e "O Livro das Palavras Tristes"; contos em "Três Contos de Avoar" e "A Solidão e a Árvore e outros contos"; poesias em "Todo Inverso", "Poesia Artesã" e "Já Outono"; e ainda de "Estudos Para Cordel - prosa rimada sobre a vida do cordel", "Da Arte da Sobrevivência no Sertão - Palavras do Velho" e "Poço Redondo - Relatos Sobre o Refúgio do Sol". Outros livros já estão prontos para publicação. Escritório do autor: Av. Carlos Bulamarqui, nº 328, Centro, CEP 49010-660, Aracaju/SE.


Poeta e cronista
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