Por: Rangel Alves da Costa(*)
LIVROS
VELHOS
Não cuido aqui
do tempo histórico dos livros, pois são eternos, imortais. Também não trato
acerca de sua validade ao passar dos anos, pois cada um permanece válido
segundo o desejo de cada leitor. Mas abordo sobre outra idade. E também sobre o
adormecimento que costumam permanecer.
A idade a que
me refiro é aquela que vai maltratando o livro em si, a sua brochura, o seu
papel, as suas cores e tintas. É a idade que vai tornando o velho, amarelado,
com folhas se soltando, alquebrado por tanto manuseio ou leitura. É o estado do
livro cuidadosamente asilado na estante sob pena de ser completamente
inutilizável.
Haveria de se
indagar por que as pessoas jogam fora antigas quinquilharias, móveis, roupas,
sapatos, objetos, mas geralmente se nega a colocar determinado livro no saco do
lixo. Muita gente joga mesmo, não está nem aí, mas outras preferem se desfazer
de qualquer outra coisa menos daquele velho livro. Os motivos desse apego e do
senso de preservação é o caminho para a resposta.
Ora, muitas
pessoas nutrem verdadeiro amor pelos livros, principalmente aqueles que desde
muito estão cuidadosamente guardados nas suas estantes. A paixão é tão forte
que basta avistá-lo lá num cantinho para que a memória se transforme naquilo
descrito nas suas páginas. Avista-se somente a lombada, e nesta o título e o
autor, mas de pouca significância diante do que o pensamento já percorre página
por página.
Ali, todo
apertadinho e dividindo espaço com outras obras, o livro adentra de tal forma
naquele que o percebe, recorda e revive, que parece querer saltar da estante e
se jogar sobre uma mesa com suas páginas esvoaçantes e deixando sair a
história, os personagens, as tramas, os conflitos, as vidas ali existentes.
Quantos
coronéis e jagunços, prostitutas e cafetinas, beatas fofoqueiras e belas
agrestinas, pulam vivazes dos livros de Jorge Amado? O casal de retirantes com
seu cachorro sai de Graciliano Ramos para perguntar onde haverá um destino
melhor para se viver. Estão fugindo da seca. Dá para ouvir os gritos pelo
engenho, o menino traquina correndo de lado a outro, o senhor dando ordens,
tudo com cheiro doce e suado do melado bruto da cana de açúcar, nos
livros de José Lins do Rego.
Por certo
reencontraria o Pequeno Príncipe pulando de cometa em cometa, conversando com a
Baobá e ouvindo que o essencial é invisível aos olhos. Certamente encontraria
Scarlett O’Hara no entardecer da devastada Tara, aflita, mas cheia de
esperança, dizendo que amanhã será outro dia. Encontraria também Romeu se
esgueirando debaixo da janela de Julieta; uma gaivota voando sozinha e se
dizendo chamar Fernão Capelo Gaivota.
Certa feita
chorei quando uma nação indígena inteira teve o seu coração enterrado na curva
de um rio. Jamais me esqueço de Dee Brown. Não nego que fiz o máximo possível
para colocar um sol, manhãs alegres e pessoas felizes no morro dos ventos
uivantes. Depois acabei dando razão a Emily Brontë. Também tentei alertar aos
cavaleiros do bem sobre os perigos existentes naquelas brumas de Avalon. Mas
também deixei segundo o desejo de Marion Zimmer Bradley.
Os livros são
assim, mágicos, surpreendentes, inesquecíveis, instigantes, e tão reais nas
suas histórias e conteúdos que de repente podem pular da estante e povoar uma
sala, uma biblioteca, um mundo. E não seria sem razão se realmente pudessem
fazer assim. Ora, ali dentro, em cada folha, em cada página, estão vidas, estão
pessoas com seus amores, anseios, alegrias e amarguras.
Por serem
assim, tão parecidos com os humanos ditos comuns, é que também precisam de uma
janela, de uma porta aberta, de uma estrada para seguir adiante. Mas não.
Permanecem presas, escondidas, sufocadas. E tantas vezes definhando para morrer
quando suas páginas envelhecem demais ou as traças se acham no direito de
destruir vidas. Então olhe para sua estante e sinta. Ao sentir pense no que
fazer com os seus livros velhos.
Experimente
retirá-los de lá e colocá-los em cima da mesa. Não se preocupe que as páginas
começarão a esvoaçar sozinhas, pois as vidas despertarão para a luz que de
repente se fez. E terá momentos inesquecíveis daí em diante, compartilhando com
as mais incríveis situações. Mas se não gostar tenha coragem de dizer que o
momento é de despedida, pois estão velhos demais e precisam ser jogados no
lixo.
Mas não se
assuste se ouvir alguém perguntando se quer ir também.
(*) Meu nome é
Rangel Alves da Costa, nascido no sertão sergipano do São Francisco, no
município de Poço Redondo. Sou formado em Direito pela UFS e advogado inscrito
na OAB/SE, da qual fui membro da Comissão de Direitos Humanos. Estudei também
História na UFS e Jornalismo pela UNIT, cursos que não cheguei a concluir. Sou
autor dos eguintes livros: romances em "Ilha das Flores" e
"Evangelho Segundo a Solidão"; crônicas em "Crônicas
Sertanejas" e "O Livro das Palavras Tristes"; contos em
"Três Contos de Avoar" e "A Solidão e a Árvore e outros
contos"; poesias em "Todo Inverso", "Poesia Artesã" e
"Já Outono"; e ainda de "Estudos Para Cordel - prosa rimada
sobre a vida do cordel", "Da Arte da Sobrevivência no Sertão -
Palavras do Velho" e "Poço Redondo - Relatos Sobre o Refúgio do
Sol". Outros livros já estão prontos para publicação. Escritório do autor:
Av. Carlos Bulamarqui, nº 328, Centro, CEP 49010-660, Aracaju/SE.
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