quarta-feira, 17 de abril de 2013

LIVROS VELHOS (Crônica)


Por: Rangel Alves da Costa(*)

LIVROS VELHOS

Não cuido aqui do tempo histórico dos livros, pois são eternos, imortais. Também não trato acerca de sua validade ao passar dos anos, pois cada um permanece válido segundo o desejo de cada leitor. Mas abordo sobre outra idade. E também sobre o adormecimento que costumam permanecer.

A idade a que me refiro é aquela que vai maltratando o livro em si, a sua brochura, o seu papel, as suas cores e tintas. É a idade que vai tornando o velho, amarelado, com folhas se soltando, alquebrado por tanto manuseio ou leitura. É o estado do livro cuidadosamente asilado na estante sob pena de ser completamente inutilizável.

Haveria de se indagar por que as pessoas jogam fora antigas quinquilharias, móveis, roupas, sapatos, objetos, mas geralmente se nega a colocar determinado livro no saco do lixo. Muita gente joga mesmo, não está nem aí, mas outras preferem se desfazer de qualquer outra coisa menos daquele velho livro. Os motivos desse apego e do senso de preservação é o caminho para a resposta.


Ora, muitas pessoas nutrem verdadeiro amor pelos livros, principalmente aqueles que desde muito estão cuidadosamente guardados nas suas estantes. A paixão é tão forte que basta avistá-lo lá num cantinho para que a memória se transforme naquilo descrito nas suas páginas. Avista-se somente a lombada, e nesta o título e o autor, mas de pouca significância diante do que o pensamento já percorre página por página.

Ali, todo apertadinho e dividindo espaço com outras obras, o livro adentra de tal forma naquele que o percebe, recorda e revive, que parece querer saltar da estante e se jogar sobre uma mesa com suas páginas esvoaçantes e deixando sair a história, os personagens, as tramas, os conflitos, as vidas ali existentes.

Quantos coronéis e jagunços, prostitutas e cafetinas, beatas fofoqueiras e belas agrestinas, pulam vivazes dos livros de Jorge Amado? O casal de retirantes com seu cachorro sai de Graciliano Ramos para perguntar onde haverá um destino melhor para se viver. Estão fugindo da seca. Dá para ouvir os gritos pelo engenho, o menino traquina correndo de lado a outro, o senhor dando ordens, tudo com  cheiro doce e suado do melado bruto da cana de açúcar, nos livros de José Lins do Rego.

Por certo reencontraria o Pequeno Príncipe pulando de cometa em cometa, conversando com a Baobá e ouvindo que o essencial é invisível aos olhos. Certamente encontraria Scarlett O’Hara no entardecer da devastada Tara, aflita, mas cheia de esperança, dizendo que amanhã será outro dia. Encontraria também Romeu se esgueirando debaixo da janela de Julieta; uma gaivota voando sozinha e se dizendo chamar Fernão Capelo Gaivota.

Certa feita chorei quando uma nação indígena inteira teve o seu coração enterrado na curva de um rio. Jamais me esqueço de Dee Brown. Não nego que fiz o máximo possível para colocar um sol, manhãs alegres e pessoas felizes no morro dos ventos uivantes. Depois acabei dando razão a Emily Brontë. Também tentei alertar aos cavaleiros do bem sobre os perigos existentes naquelas brumas de Avalon. Mas também deixei segundo o desejo de Marion Zimmer Bradley.

Os livros são assim, mágicos, surpreendentes, inesquecíveis, instigantes, e tão reais nas suas histórias e conteúdos que de repente podem pular da estante e povoar uma sala, uma biblioteca, um mundo. E não seria sem razão se realmente pudessem fazer assim. Ora, ali dentro, em cada folha, em cada página, estão vidas, estão pessoas com seus amores, anseios, alegrias e amarguras.


Por serem assim, tão parecidos com os humanos ditos comuns, é que também precisam de uma janela, de uma porta aberta, de uma estrada para seguir adiante. Mas não. Permanecem presas, escondidas, sufocadas. E tantas vezes definhando para morrer quando suas páginas envelhecem demais ou as traças se acham no direito de destruir vidas. Então olhe para sua estante e sinta. Ao sentir pense no que fazer com os seus livros velhos.

Experimente retirá-los de lá e colocá-los em cima da mesa. Não se preocupe que as páginas começarão a esvoaçar sozinhas, pois as vidas despertarão para a luz que de repente se fez. E terá momentos inesquecíveis daí em diante, compartilhando com as mais incríveis situações. Mas se não gostar tenha coragem de dizer que o momento é de despedida, pois estão velhos demais e precisam ser jogados no lixo.

Mas não se assuste se ouvir alguém perguntando se quer ir também.

(*) Meu nome é Rangel Alves da Costa, nascido no sertão sergipano do São Francisco, no município de Poço Redondo. Sou formado em Direito pela UFS e advogado inscrito na OAB/SE, da qual fui membro da Comissão de Direitos Humanos. Estudei também História na UFS e Jornalismo pela UNIT, cursos que não cheguei a concluir. Sou autor dos eguintes livros: romances em "Ilha das Flores" e "Evangelho Segundo a Solidão"; crônicas em "Crônicas Sertanejas" e "O Livro das Palavras Tristes"; contos em "Três Contos de Avoar" e "A Solidão e a Árvore e outros contos"; poesias em "Todo Inverso", "Poesia Artesã" e "Já Outono"; e ainda de "Estudos Para Cordel - prosa rimada sobre a vida do cordel", "Da Arte da Sobrevivência no Sertão - Palavras do Velho" e "Poço Redondo - Relatos Sobre o Refúgio do Sol". Outros livros já estão prontos para publicação. Escritório do autor: Av. Carlos Bulamarqui, nº 328, Centro, CEP 49010-660, Aracaju/SE.

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