Por: Rangel Alves da Costa*
CONSTRUINDO
A MEMÓRIA
Seria bom que
de vez em quando as pessoas parassem para pensar em como gostariam de ser
lembradas - acaso mereçam - mais adiante, após a inevitável partida. Tal
exercício de imaginação certamente as colocaria diante de dramáticos espelhos.
Antecipando-se
aos pensamentos, conceitos e considerações que os outros poderiam ter acerca de
suas pessoas, inevitavelmente se colocariam numa encruzilhada. De um lado tudo
de bom realizado, do outro tudo aquilo que preferem nem recordar. É nesse
momento que a memória tem o poder de construção e reconstrução.
Já afirmaram,
e com razão, que os seres humanos se assemelham a tapetes, a armários, a palcos
de encenação. Tapetes porque gostam de ser manter vistosos e asseados por cima,
mas que não suportariam uma olhadela por baixo, onde sorrateiramente procuram
esconder seus erros, seus lixos. Por isso é que de repente a poeira e a
imundície começam a aparecer e ninguém sabe de onde.
Como afirmado,
são também comparados a armários e a palcos de encenação. E não seria difícil
explicar por que. A pintura, o verniz, o espelho e os perfumes que são vistos à
frente são exatamente as contradições do que está guardado lá dentro. O ator
que transforma o seu personagem num ser cheio de vivacidade e força, muitas
vezes se opõe ao ser humano desnudo da ficção e que dolorosamente sofre atrás
da cortina. É a mesma história do palhaço fazendo rir enquanto chora por
dentro.
E que se
aceite como verdade ou não, a realidade demonstra que os seres humanos possuem
tais características: seres unos e opostos em si mesmos, faces contraditórias
numa mesma moeda, versões que são utilizadas segundo a situação. E por serem
assim, entremeados do bem e do mal, ao menos deveriam reconhecer as virtudes e
os pecados como forma de não afligir-se diante dos erros do passado.
Também por
isso muitos procuram - e erroneamente - eleger nas suas mentes apenas as boas
recordações. Imaginando as bondades feitas um dia, pensando nas construções que
frutificaram, voltados para tudo de positivo que puderam fazer, logo se sentem
confortados e certos do dever cumprido. Mas certamente não será assim, com tudo
florido e perfumado no pensamento, acaso ousem enfrentar as duas realidades
vivenciadas ao longo da estrada.
Mas é preciso
coragem. Não é todo mundo que olha pra trás e reconhece os erros, os absurdos
cometidos, as desgraças que acaso tenha causado. Não é qualquer um que se
penitencia pelo mal feito, pela injustiça cometida, pelo que de ruim optou por
fazer quando poderia fazê-lo de forma diferente. Daí que é preciso coragem para
mirar-se no espelho do passado e nele reconhecer não só a glória, mas também o
fracasso.
É neste
sentido que a memória de cada um pode ser construída. Logicamente que não
significa que alguém possa voltar no tempo e apagar os erros. Também não
significa que a pessoa, de repente, e por uma recaída qualquer, passe a
confessar todos os absurdos cometidos na sua vida pregressa. Não. O que foi
feito foi feito e, se mácula ou graça, nada mais poderá mudar. Ademais, o
arrependimento não possui o dom de desfazer o já concretizado.
Daí que a
construção da memória só possui validade do momento que se pretende construí-la
em diante. E o passado? Ora, o passado reflete exatamente a qualidade do homem.
Acaso este, ao longo de seu percurso, tenha se comportado e agido dentro das
virtudes outorgadas a cada um, e também que além disso tenha realizado boas
outras grandes ações por opção construtiva, logicamente que não temerá o que a
memória futura lhe reservará.
Afirmar que a
memória deve ser construída a partir do instante que o ser humano deseja,
implica, contudo, apenas na valorização maior de parte da vida. Por isso quanto
mais cedo ele reflita sobre a imagem que pretende passar para a posteridade
mais tempo terá para construir uma identidade positiva. O idoso, por exemplo,
que durante todo o passado serviu de carrasco de si mesmo e dos outros, pouco
poderá fazer para minimizar seu histórico. Não são atos esporádicos e de arrependimento
que irão apagar o feito. E mal feito.
Com o exposto
pretendi afirmar apenas que é possível ao ser humano antever a imagem que o
futuro lhe reservará. Ao temer por uma memória marcada por feitos negativos,
certamente irá procurar, desde o instante do próprio comprometimento, a agir de
modo que, ainda que não lembrado como um grande herói, ao menos seja recordado
como alguém que dignificou sua existência.
Ademais, como
afirmou Chico Xavier, "Embora ninguém possa voltar atrás e fazer um novo
começo... Qualquer um pode começar agora e fazer um novo fim”.
(*) Meu nome é Rangel Alves da Costa, nascido no sertão sergipano do São Francisco, no município de Poço Redondo. Sou formado em Direito pela UFS e advogado inscrito na OAB/SE, da qual fui membro da Comissão de Direitos Humanos. Estudei também História na UFS e Jornalismo pela UNIT, cursos que não cheguei a concluir. Sou autor dos eguintes livros: romances em "Ilha das Flores" e "Evangelho Segundo a Solidão"; crônicas em "Crônicas Sertanejas" e "O Livro das Palavras Tristes"; contos em "Três Contos de Avoar" e "A Solidão e a Árvore e outros contos"; poesias em "Todo Inverso", "Poesia Artesã" e "Já Outono"; e ainda de "Estudos Para Cordel - prosa rimada sobre a vida do cordel", "Da Arte da Sobrevivência no Sertão - Palavras do Velho" e "Poço Redondo - Relatos Sobre o Refúgio do Sol". Outros livros já estão prontos para publicação. Escritório do autor: Av. Carlos Bulamarqui, nº 328, Centro, CEP 49010-660, Aracaju/SE.
Poeta
e cronista
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