Por: Rangel Alves da Costa(*)
COITADO
DO FRIO (E DO CASACO DE FRIO)
O calor
insuportável, coisa terrível mesmo, que vem castigando a região nordestina nos
últimos meses - principalmente a litorânea Aracaju -, talvez tenha castigado o
juízo de muita gente. Isso mesmo. Creio que o fogaréu climático acabou afetando
muitos miolos. Não há como pensar diferente.
Mês após mês,
dia após dia, e todo mundo reclamando que não suportava mais as altas
temperaturas desde o alvorecer, e adentrando a madrugada também. Gente
esbaforida pelas ruas, faces e testas pingando de suor, desmaios, um desespero
total. E tudo por causa do calor sufocante de mais de 35 graus.
Contudo, desde
uns três dias que começou a chover por aqui e para máximo espanto, fato de não
se acreditar mesmo, já no dia seguinte eu avistava pessoas com casacos de
frios. Não é invencionice não. Bastou chover, o calor diminuir um pouco - e
apenas diminuir enquanto chove -, que se danam a imaginar um frio completamente
inexistente.
Verdade é que
desde muito tempo não faz mais frio em Aracaju. Há uns 20 ou 30 anos atrás,
quando o clima global não se apresentava tão elevado, ainda se podia falar em
uma friagem mais intensa a partir do mês de junho, e geralmente indo até o mês
de setembro. Mas apenas uma friagem, e não o frio como ocorre em demais regiões
do país.
Ademais, o
dito frio que as pessoas sentiam era muito mais uma sensação de esfriamento
corporal do que mesmo pela baixa temperatura atmosférica, e esta provocando a
sensação diferente de gelidez. Por sua vez, a sensação de esfriamento corporal
não tinha outra explicação senão pelo estranhamento do próprio corpo pela
diminuição do intenso calor.
Quer dizer, o
frio aracajuano nunca foi algo de espantar ninguém, de fazer o queixo bater e a
pessoa passar a ter a sensação que vai congelar. Muito pelo contrário.
Afirme-se, sem medo de errar, que a sensação de frio, por aqui, é exatamente
proporcional ao estranhamento corporal do alto grau de calor. Assim, quando o
calor terrível dá uma trégua e uma aragem fresca vem do litoral, então o corpo
logo se confunde. Ou a pessoa confunde o seu corpo.
Acostumados
com as altas temperaturas, com dias insuportavelmente quentes, assim que chove
e o calor diminui, então logo imaginam a chegada do frio. A sensação
confortável, amena, refrescante, é logo traduzida como gelidez. E o tal alegado
frio ainda debaixo de uma temperatura de 24 ou 25 graus. Se ontem a temperatura
estava em torno dos 37 graus e cai para 24, logo imaginam estar no pólo norte.
Talvez seja assim que muitos pensam.
E porque
pensam assim, imediatamente correm ao guarda roupa para fazer espalhar o velho
e conhecido cheiro de naftalina. Dali os casacos - muitos deles muito antigos,
quase sem uso - são retirados para funcionar muito mais como modismo, charme,
enfeite ou vaidade do que propriamente para aplacar o frio. Lógico, este é
inexistente.
E tão
inexistente que um bom ar condicionado esfria muito mais do que a friagem no
meio do tempo. Contudo, supõe-se que a diminuição do calor e a transformação
desse fato como frio, outro objetivo não há em cada um senão vestir o casaco e
sair por aí desfilando a novidade, pois a vestimenta sempre tem um enfeite, cai
bem no corpo ou é produzido com material vistoso.
Tal invenção
de frio causa situações realmente engraçadas. Afirmar que faz frio ou senti-lo
em Aracaju é a primeira delas. Mas outras são patéticas. Tem gente que parece
estar na manhã paulista e naqueles dias mais gelados, e sai desfilando com um
casacão pesado, de mangas que encobrem até as mãos e gola que chega até o
queixo. Se no sul estivesse, certamente andaria com aquecedor.
Ainda não vi
ninguém batendo o queixo por aqui, nem verei, ao menos que a maluquice chegue
ao ponto de antartizar as ruas calorentas de Aracaju. Ainda não sei se as lojas
renovaram seus estoques de casacos. Mas certamente que sim. A cada dia que
chove, no outro meio mundo de gente se vê com o corpo todo tremulante de frio.
O problema é que pode ser doença. Apenas o fato de não estar sentindo
insuportável calor já tem o dom de provocar alucinações.
E uma doença
chamada Síndrome do Frio. Porque sentir frio em Aracaju, e a ponto de usar
casaco de frio, só pode ser doença. Síndrome das brabas.
(*) Meu nome é Rangel Alves da Costa, nascido no sertão sergipano do São Francisco, no município de Poço Redondo. Sou formado em Direito pela UFS e advogado inscrito na OAB/SE, da qual fui membro da Comissão de Direitos Humanos. Estudei também História na UFS e Jornalismo pela UNIT, cursos que não cheguei a concluir. Sou autor dos eguintes livros: romances em "Ilha das Flores" e "Evangelho Segundo a Solidão"; crônicas em "Crônicas Sertanejas" e "O Livro das Palavras Tristes"; contos em "Três Contos de Avoar" e "A Solidão e a Árvore e outros contos"; poesias em "Todo Inverso", "Poesia Artesã" e "Já Outono"; e ainda de "Estudos Para Cordel - prosa rimada sobre a vida do cordel", "Da Arte da Sobrevivência no Sertão - Palavras do Velho" e "Poço Redondo - Relatos Sobre o Refúgio do Sol". Outros livros já estão prontos para publicação. Escritório do autor: Av. Carlos Bulamarqui, nº 328, Centro, CEP 49010-660, Aracaju/SE.
Poeta e cronista
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