Por: Rangel Alves da Costa(*)
A
MINHA LUA SERTANEJA
Ainda que
digam o contrário, duvido que a lua daqui seja igual a do Japão. Do mesmo modo
desafio aquele que afirme ser a lua citadina ao menos parecida com a lua
interiorana. E vou além: pago em dobra de ouro a quem mostrar outra lua mais
bonita, mais grandiosa, mais radiante, do que aquela que brilha no meu sertão,
lá pelas distâncias de Nossa Senhora da Conceição do Poço Redondo.
Razão tinha
Catulo da Paixão Cearense ao cantantemente afirmar que “Não há, oh gente, oh
não, luar como esse do sertão!...”. E no Gênesis ao criar o dia e a noite, e na
imensidão escurecida colocar a lua imponente para alumiar sobre os seres, Deus
apontou para o sertão e disse: Desponte e seja mais bela naquele lugar!
Saí de lá, não
nego. Tive que vim aprender na cartilha e na tabuada as lições da vida. Mas sou
de lá e os meus passos de vez em quando cortam estrada e vereda. Mas eis que na
distância, quando avisto a noite e saio à rua, então me inundo de outra lua,
com uma saudade imensa do clarão do lá. E asas eu tivesse para subir aos céus e
me banhar na plenitude serena do anel dourado do dedo de Deus.
Nada igual a
beber daquela luz na própria fonte, do alto da montanha levantar o olhar para o
firmamento e sentir o lume alourado se derramar pelo corpo embevecido de
espiritualidade e fé. É que a lua não desce apenas como luz, como clarão
escondendo a noite, mas como anjo dourado que com suas asas lança bençãos em
forma de estrelas.
Da lua de lá
me fiz poeta e apaixonado, namorador e também solitário. Solitário sim, e
necessariamente solitário para dela me aproximar, dialogar, sentir mais forte
sua presença. Tantas vezes guardei um pedaço da noite apenas para receber seus
sinais, seu beijo de cobre antigo, seu abraço envernizado, sua dança em meu
olhar. E depois corria todo enluarado, com uma estrela à mão, para dar ao meu
amor primeiro
Quando ela
sorrateiramente se escondia, deixava de aparecer pela noite inteira, ainda
assim eu a avistava faiscante e ainda mais próxima. Eis que minha avó me
ensinou que nas noites de breu a lua desce a terra e se esconde por trás de uma
nuvem diante das pessoas. Quem a ela não dá importância, não sente sua falta, a
noite se torna ainda mais escurecida.
Mas se sente
que a pessoa está melancólica e entristecida, olhando aflita para o alto para
ver se a encontra, então ela desponta bem ali adiante. Imensa, enorme,
radiante. E basta fazer um pedido que ela prontamente atenderá. Por isso
namorei tanto naquelas noites escurecidas do meu sertão. Nunca pedi uma, sempre
duas namoradas.
Confortam-me
as lembranças, as recordações, as saudades boas, apenas. E como ela, a minha
lua sertaneja, não me sai do pensamento, então o menino poeta ressurge naquelas
ruas e descampados, naquelas estradas e escondidos, para fazer o que toda
criança faz debaixo da lua. E também o homem que rabisca suas memórias em
folhas tristes para um baú distante. E depois, esquecido dessa distância, se
põe a tudo ler debaixo da luz elétrica. Cadê minha lua?
Minha lua está
lá com meus conterrâneos, meus amigos e conhecidos. Está brilhando aos olhos de
meu amor de um dia. Está sobre o coreto da praça da matriz, por cima da rua
velha e da rua nova, e também na janela da menina flor. Daqui fico imaginando
meu amigo doido diante da lua, zelando por ela, porque nela alçará voo um dia.
Foi isso que um dia me confessou.
Aliás, é esse
meu amigo doido que me diz tudo sobre a lua quando chego por lá. De tudo toma
nota no diário da memória, nas frágeis folhas da insanidade, e depois me passa
um relatório completo. Falou-me que a lua embuchou uma mocinha; contou que a
avistou dentro de uma bacia cheia d’água e que depois a solteirona derramou
toda a lua na sua nudez. Estava apaixonada por São Jorge, acabei revelando ao
amigo.
Agora é noite.
Aqui avisto uma lua no poste, e que se apaga de vez em quando. Fico imaginando
o meu amigo maluquinho a essa hora olhando pra lua. E temo que os papéis se
invertam, juro por Deus. Ele lá, nesse instante sentado na pedra grande, tão
humano e verdadeiro diante de sua imensa lua. E eu aqui enlouquecendo de
saudade.
O Velho
Totonho tinha razão. Durante o dia inteiro não abria a boca para falar com
ninguém. Mas quando a noite chegava e a lua começava a despontar, ele surgia na
porta de seu casebre, dava um passo adiante, olhava pra cima, firmava o olhar e
depois dizia: Saudade!
E somente isso:
Saudade!
(*) Meu nome é Rangel Alves da Costa, nascido no sertão sergipano do São Francisco, no município de Poço Redondo. Sou formado em Direito pela UFS e advogado inscrito na OAB/SE, da qual fui membro da Comissão de Direitos Humanos. Estudei também História na UFS e Jornalismo pela UNIT, cursos que não cheguei a concluir. Sou autor dos eguintes livros: romances em "Ilha das Flores" e "Evangelho Segundo a Solidão"; crônicas em "Crônicas Sertanejas" e "O Livro das Palavras Tristes"; contos em "Três Contos de Avoar" e "A Solidão e a Árvore e outros contos"; poesias em "Todo Inverso", "Poesia Artesã" e "Já Outono"; e ainda de "Estudos Para Cordel - prosa rimada sobre a vida do cordel", "Da Arte da Sobrevivência no Sertão - Palavras do Velho" e "Poço Redondo - Relatos Sobre o Refúgio do Sol". Outros livros já estão prontos para publicação. Escritório do autor: Av. Carlos Bulamarqui, nº 328, Centro, CEP 49010-660, Aracaju/SE.
Poeta e cronista
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