segunda-feira, 4 de março de 2013

SOLITÁRIO NA NOITE VAZIA (Crônica)

Por: Rangel Alves da Costa(*)
Rangel Alves da Costa

SOLITÁRIO NA NOITE VAZIA

Noite. Altas horas da noite. Breu sem uivo de lobos, sem grito dos enfermos, sem espasmos dos enlouquecidos.

Escuridão total. Silêncio profundo, entrecortado apenas pelo silvo arrepiante da ventania. As folhas passavam pelo ar como noturnos passarinhos agourentos.

Esteve ali na janela durante muito tempo, talvez mais de uma hora. Foi o tempo que teve para pensar nas angústias, aflições, nos terríveis momentos de solidão que vivia.

Saiu da janela e deixou o cortinado valsando ao sabor da aragem voraz. Virou o copo de conhaque, escreveu mais um verso na folha estendida sobre a mesa, acendeu mais um cigarro.

Preparou-se para sair. Colocou um cantil com bebida num bolso, uma carteira de cigarros no outro. Deixou a janela aberta, a lamparina espalhando pouca luz pela sala, e seguiu em direção à porta.

Não olhou o relógio ao fechar a porta. Talvez nem a tenha fechado, apenas encostado para o breve retorno. Não olhou o relógio. Mas já passava de uma hora, já no passo da madrugada.

A rua estava completamente solitária e escurecida. Os postes sonolentos lançavam suas luzes fraquejantes sobre o chão molhado. Não havia pingo, mas desde o anoitecer que caía uma chuva fininha, quase imperceptível.

Lançou o olhar ao redor e mais adiante e não avistou uma só pessoa. Também não ouviu passos nem murmurejos nas casas fechadas. Ninguém saía, ninguém entrava. Apenas sinais de luzes nas vidraças acortinadas.


Tomou um trago, guardou a bebida, seguiu adiante. Pensou em encontrar algum bar aberto àquela hora. De qualquer modo não seria difícil, mesmo andando muito mais, se deparar com algum cabaré aberto.

Por mais que andasse, virasse esquinas, entrasse por vielas totalmente desconhecidas, não encontrou nada aberto. Nenhuma cerveja, nenhuma bebida diferente, nenhuma prostituta, nenhum errante. Nem guarda noturno encontrou. Parecia que o mundo estava de portas fechadas.

De repente sentiu até vontade de ser abordado por algum marginal, algum ladrão que aproveitasse da hora e da ocasião para exigir o alheio. Mas nada. Pelas marquises apenas a sonolência pétrea dos abandonados. Nenhum cão vadio. Nenhum lobisomem.

Mais um gole e outro gole. O cantil já estava esvaziando, a bebida acabando. A fumaça do cigarro passeava pelo ar, misturando ao chuvisco, fazendo parecer neblina. De repente, se encaminhou para um banco de praça, subiu nele e gritou.

Tem alguém aí? Alguém ainda está acordado? Abra a porta. Abra a janela. Saía para a rua. Venha aqui na praça. Preciso conversar. Preciso confessar uma coisa. Preciso dizer uma coisa muito importante. Quem estiver ouvindo venha até aqui. Ou abra a janela que vou até aí.

Gritou ainda mais. Repetiu tudo. Nada de ninguém aparecer. Nada de ninguém responder. Nada de porta aberta ou janela. Pensou estar enlouquecendo. Ali mesmo abriu os braços, quis voar. Acabou desabando no chão.

Começou a chorar ainda estendido no chão. Pranto dolente, amargurado, soluçava de se ouvir adiante. Mas não havia ninguém para ouvir. Levantou cambaleante, pois já havia bebido demais. Sentiu a roupa pesada de lama.
Primeiro tirou a camisa, depois a calça. Todo o restante por fim. Jogou tudo ao redor, como se ali mesmo quisesse deixar suas vestes. Sentiu frio. Decidiu retornar pra casa. Já estava perto, pois tudo ali muito próximo.

Andando devagar, completamente nu, cabisbaixo, ainda soluçando, de repente começou a ouvir barulhos, vozes. Levantou a cabeça, avistou portas janelas abertas, pessoas gritando. E no momento seguinte a sirene de uma viatura policial.

Foi preso. E ainda nu jogado no camburão. A prova era a nudez em via pública. Crime terrível diante das portas e janelas das famílias. Ademais, as pessoas, noctívagos, prostitutas e até meliantes da noite, todos presenciando aquela cena vergonhosa de nudez.

A noite nua, um homem nu. Tudo silêncio e solidão. O vazio. Nenhuma porta ou janela aberta, nenhum olhar ao redor. Mas os olhos, os olhos da noite por todo lugar.

(*) Meu nome é Rangel Alves da Costa, nascido no sertão sergipano do São Francisco, no município de Poço Redondo. Sou formado em Direito pela UFS e advogado inscrito na OAB/SE, da qual fui membro da Comissão de Direitos Humanos. Estudei também História na UFS e Jornalismo pela UNIT, cursos que não cheguei a concluir. Sou autor dos eguintes livros: romances em "Ilha das Flores" e "Evangelho Segundo a Solidão"; crônicas em "Crônicas Sertanejas" e "O Livro das Palavras Tristes"; contos em "Três Contos de Avoar" e "A Solidão e a Árvore e outros contos"; poesias em "Todo Inverso", "Poesia Artesã" e "Já Outono"; e ainda de "Estudos Para Cordel - prosa rimada sobre a vida do cordel", "Da Arte da Sobrevivência no Sertão - Palavras do Velho" e "Poço Redondo - Relatos Sobre o Refúgio do Sol". Outros livros já estão prontos para publicação. Escritório do autor: Av. Carlos Bulamarqui, nº 328, Centro, CEP 49010-660, Aracaju/SE.

Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com


Se você gosta de ler histórias sobre "Cangaço" clique no link abaixo:
http://blogdomendesemendes.blogspot.com


Faça uma visitinha a este site:
http://cantocertodocangaco.blogspot.com


Observação:


Este endereço tem a palavra "Cangaço", mas não tem nada a ver com o tema, foi um erro no momento de sua criação. Ainda não conseguimos fazer outro link de acordo com o material postado.

Nenhum comentário: