terça-feira, 19 de março de 2013

A VELHA DEBAIXO DA CAMA (Crônica)

Por: Rangel Alves da Costa(*)

A VELHA DEBAIXO DA CAMA

Quando eu era meninote ouvia uma música diferente e cuja letra (se assim pode ser considerada) dizia assim:

“A véia debaixo da cama/ A véia criava um rato/ Na noite que se danava o rato chiava/ E a véia dizia: Ai meu Deus se acaba tudo/ Tanto bem que eu te queria/ A véia debaixo da cama/ A véia criava um gato/ Na noite que se danava/ O rato chiava, o gato miava/ E a véia dizia: Ai meu Deus se acaba tudo/ Tanto bem que eu te queria/ A véia debaixo da cama/ A véia criava um cachorro/ Na noite que se danava/ O rato chiava, o gato miava, o cachorro latia/ E a véia dizia: Ai meu Deus se acaba tudo/ Tanto bem que eu te queria/ A véia debaixo da cama/ A véia criava um macaco/ Na noite que se danava/ O rato chiava, o gato miava, o cachorro latia, o macaco pulava/ E a véia dizia: Ai meu Deus se acaba tudo/ Tanto bem que eu te queria/ A véia debaixo da cama/ A véia criava um porco/ Na noite que se danava/ O rato chiava, o gato miava, o cachorro latia, o macaco pulava, o porco fuçava/ E a véia dizia: Ai meu Deus se acaba tudo/ Tanto bem que eu te queria/ A véia debaixo da cama/ A véia criava um bode/ Na noite que se danava/ O rato chiava, o gato miava, o cachorro latia, o macaco pulava, o porco fuçava, o bode berrava/ E a véia dizia: Ai meu Deus se acaba tudo/ Tanto bem que eu te queria/ A véia debaixo da cama/ A véia criava um jumento/ Na noite que se danava/ O rato chiava, o gato miava, o cachorro latia, o macaco pulava, o porco fuçava, o bode berrava, jumento rinchava/ E a véia dizia: Ai meu Deus se acaba tudo/ Tanto bem que eu te queria/ A véia debaixo da cama/ A véia criava um leão/ Na noite que se danava/ O rato chiava, o gato miava, o cachorro latia, o macaco pulava, o porco fuçava, o bode berrava, jumento rinchava, leão esturrava/ E a véia dizia: Ai meu Deus se acaba tudo/ Tanto bem que eu te queria/ A véia debaixo da cama/ A véia criou uma cobra/ a cobra mordeu o rato, mordeu o gato, mordeu o cachorro, mordeu o macaco, mordeu o porco, mordeu o bode, mordeu o jumento, mordeu o leão... Mordeu a véia!!! ... A véia!!! E o que que houve com a véia cumpadre?/ A cobra mordeu a véia, e a véia morreu...”.
  
Acredite se quiser, como diria Jack Palance, mas a verdade é que a letra de Jonas Andrade, e cantada por Geraldo Nunes, fez o maior sucesso, sendo gravada por mais de dez outros artistas. Mas o que quer mesmo transmitir essa letra, qual a mensagem nela contida, a não ser que uma velha solitária que criava bichos debaixo da cama e acabou sendo morta por uma dessas criaturas, a cobra?


Não. Muito mais há nas entrelinhas. A velha acumuladora de animais também somos nós com nossas desnecessárias manias de guardar tudo que encontramos pela frente. Não somente velharias, mas principalmente problemas, situações mal resolvidas, mágoas e sentimentos mesquinhos que não mereciam passar da porta de entrada.

Quando se diz que determinadas pessoas vão entocando e estocando lixo debaixo do tapete, logicamente que tal situação pode ser comparada aos animais criados pela velha debaixo da cama. Quando os animais se danavam tudo ficava numa algazarra só. E com o lixo no tapete acontece a mesma coisa. Mais cedo ou mais tarde será descoberto e todas as podridões surgirão de uma só vez.

De tanto criar problemas, acumular estresses, viver entulhando dentro de si e ao redor fatos e coisas negativas, certamente um dia acabará tendo o mesmo destino da velha. Chegará o tempo em que algo de monta surgirá, e que ilusoriamente fará com que os outros problemas sejam esquecidos, para, de uma só vez, acabar com tudo. Inclusive com o seu dono.

Quem gosta de conservar, preservar e manter o que não tem serventia acabará sendo vítima do seu próprio hábito. Doenças surgidas devem ser curadas, problemas devem ser resolvidos, contas devem ser pagas, nada deve ser desnecessariamente acumulado. E o que não presta se esconde de tal modo que será preciso muita força de vontade para extirpar de vez. Do contrário será vítima daquilo que simplesmente foi deixando acontecer, e erroneamente pensando que a qualquer momento resolveria tudo. De repente já será tarde demais.

Igualmente à velha, será o criador engolido pela própria criatura.

(*) Meu nome é Rangel Alves da Costa, nascido no sertão sergipano do São Francisco, no município de Poço Redondo. Sou formado em Direito pela UFS e advogado inscrito na OAB/SE, da qual fui membro da Comissão de Direitos Humanos. Estudei também História na UFS e Jornalismo pela UNIT, cursos que não cheguei a concluir. Sou autor dos eguintes livros: romances em "Ilha das Flores" e "Evangelho Segundo a Solidão"; crônicas em "Crônicas Sertanejas" e "O Livro das Palavras Tristes"; contos em "Três Contos de Avoar" e "A Solidão e a Árvore e outros contos"; poesias em "Todo Inverso", "Poesia Artesã" e "Já Outono"; e ainda de "Estudos Para Cordel - prosa rimada sobre a vida do cordel", "Da Arte da Sobrevivência no Sertão - Palavras do Velho" e "Poço Redondo - Relatos Sobre o Refúgio do Sol". Outros livros já estão prontos para publicação. Escritório do autor: Av. Carlos Bulamarqui, nº 328, Centro, CEP 49010-660, Aracaju/SE.

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