Por: Rangel Alves da Costa(*)
A
VELHA DEBAIXO DA CAMA
Quando eu era
meninote ouvia uma música diferente e cuja letra (se assim pode ser
considerada) dizia assim:
“A véia
debaixo da cama/ A véia criava um rato/ Na noite que se danava o rato chiava/ E
a véia dizia: Ai meu Deus se acaba tudo/ Tanto bem que eu te queria/ A véia
debaixo da cama/ A véia criava um gato/ Na noite que se danava/ O rato chiava,
o gato miava/ E a véia dizia: Ai meu Deus se acaba tudo/ Tanto bem que eu te
queria/ A véia debaixo da cama/ A véia criava um cachorro/ Na noite que se
danava/ O rato chiava, o gato miava, o cachorro latia/ E a véia dizia: Ai meu
Deus se acaba tudo/ Tanto bem que eu te queria/ A véia debaixo da cama/ A véia
criava um macaco/ Na noite que se danava/ O rato chiava, o gato miava, o
cachorro latia, o macaco pulava/ E a véia dizia: Ai meu Deus se acaba tudo/
Tanto bem que eu te queria/ A véia debaixo da cama/ A véia criava um porco/ Na
noite que se danava/ O rato chiava, o gato miava, o cachorro latia, o macaco
pulava, o porco fuçava/ E a véia dizia: Ai meu Deus se acaba tudo/ Tanto bem
que eu te queria/ A véia debaixo da cama/ A véia criava um bode/ Na noite que
se danava/ O rato chiava, o gato miava, o cachorro latia, o macaco pulava, o
porco fuçava, o bode berrava/ E a véia dizia: Ai meu Deus se acaba tudo/ Tanto
bem que eu te queria/ A véia debaixo da cama/ A véia criava um jumento/ Na
noite que se danava/ O rato chiava, o gato miava, o cachorro latia, o macaco
pulava, o porco fuçava, o bode berrava, jumento rinchava/ E a véia dizia: Ai
meu Deus se acaba tudo/ Tanto bem que eu te queria/ A véia debaixo da cama/ A
véia criava um leão/ Na noite que se danava/ O rato chiava, o gato miava, o
cachorro latia, o macaco pulava, o porco fuçava, o bode berrava, jumento
rinchava, leão esturrava/ E a véia dizia: Ai meu Deus se acaba tudo/ Tanto bem
que eu te queria/ A véia debaixo da cama/ A véia criou uma cobra/ a cobra
mordeu o rato, mordeu o gato, mordeu o cachorro, mordeu o macaco, mordeu o
porco, mordeu o bode, mordeu o jumento, mordeu o leão... Mordeu a véia!!! ... A
véia!!! E o que que houve com a véia cumpadre?/ A cobra mordeu a véia, e a véia
morreu...”.
Acredite se
quiser, como diria Jack Palance, mas a verdade é que a letra de Jonas Andrade,
e cantada por Geraldo Nunes, fez o maior sucesso, sendo gravada por mais de dez
outros artistas. Mas o que quer mesmo transmitir essa letra, qual a mensagem
nela contida, a não ser que uma velha solitária que criava bichos debaixo da
cama e acabou sendo morta por uma dessas criaturas, a cobra?
Não. Muito
mais há nas entrelinhas. A velha acumuladora de animais também somos nós com
nossas desnecessárias manias de guardar tudo que encontramos pela frente. Não
somente velharias, mas principalmente problemas, situações mal resolvidas,
mágoas e sentimentos mesquinhos que não mereciam passar da porta de entrada.
Quando se diz
que determinadas pessoas vão entocando e estocando lixo debaixo do tapete,
logicamente que tal situação pode ser comparada aos animais criados pela velha
debaixo da cama. Quando os animais se danavam tudo ficava numa algazarra só. E
com o lixo no tapete acontece a mesma coisa. Mais cedo ou mais tarde será
descoberto e todas as podridões surgirão de uma só vez.
De tanto criar
problemas, acumular estresses, viver entulhando dentro de si e ao redor fatos e
coisas negativas, certamente um dia acabará tendo o mesmo destino da velha.
Chegará o tempo em que algo de monta surgirá, e que ilusoriamente fará com que
os outros problemas sejam esquecidos, para, de uma só vez, acabar com tudo.
Inclusive com o seu dono.
Quem gosta de
conservar, preservar e manter o que não tem serventia acabará sendo vítima do
seu próprio hábito. Doenças surgidas devem ser curadas, problemas devem ser
resolvidos, contas devem ser pagas, nada deve ser desnecessariamente acumulado.
E o que não presta se esconde de tal modo que será preciso muita força de
vontade para extirpar de vez. Do contrário será vítima daquilo que simplesmente
foi deixando acontecer, e erroneamente pensando que a qualquer momento
resolveria tudo. De repente já será tarde demais.
Igualmente à
velha, será o criador engolido pela própria criatura.
(*) Meu nome é
Rangel Alves da Costa, nascido no sertão sergipano do São Francisco, no
município de Poço Redondo. Sou formado em Direito pela UFS e advogado inscrito
na OAB/SE, da qual fui membro da Comissão de Direitos Humanos. Estudei também
História na UFS e Jornalismo pela UNIT, cursos que não cheguei a concluir. Sou
autor dos eguintes livros: romances em "Ilha das Flores" e
"Evangelho Segundo a Solidão"; crônicas em "Crônicas
Sertanejas" e "O Livro das Palavras Tristes"; contos em
"Três Contos de Avoar" e "A Solidão e a Árvore e outros
contos"; poesias em "Todo Inverso", "Poesia Artesã" e
"Já Outono"; e ainda de "Estudos Para Cordel - prosa rimada
sobre a vida do cordel", "Da Arte da Sobrevivência no Sertão -
Palavras do Velho" e "Poço Redondo - Relatos Sobre o Refúgio do
Sol". Outros livros já estão prontos para publicação. Escritório do autor:
Av. Carlos Bulamarqui, nº 328, Centro, CEP 49010-660, Aracaju/SE.
Poeta e
cronista
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