Por: Rangel Alves da Costa(*)
ZABÉ,
MUIÉ IMPOSSIVE
Em toda minha
vida – e olhe que já tenho mais de duzentos anos -, nunca vi uma mulher de
biografia igual a Zabé. Ouvi tudo a seu respeito, fiquei de cabelo em pé, mas
também confesso que me encantei quando soube a verdade da história.
Isabel,
doravante Zabé, como era conhecida, cantada e decantada por todos, foi,
digamos, vítima de uma séria de mal-entendidos, de fofocas, conversas
demasiadamente destrutivas da honra e do caráter. Poucos levantaram a voz em
sua defesa. Mas também não podia ser diferente, pois ninguém sabia ao certo
quem era Zabé nem como ela vivia.
Segundo seus
conterrâneos, falando na língua do povo de então, “Muié dizimpossive nasceu aí.
Nunca se viu nada iguá. Numa só coisa qui se diz gente se ajuntou cobra e frô.
Fofoquera de marca maió, intrigona qui só ela merma, valente qui só cangacero,
mai tumem pessoa seuvidora, muié ajudadora dos mai percisado...”.

Já outro
ajuntava que “Nasceu trocada a bicha. Divia nascê homi e nasceu muié, mai muito
mai homi do que munto qui se diz caba macho. Num qui Zabé seje muié macho não,
mai pruquê pode cum saco cheio de peda na cabeça, lasca ora de ferro no murro,
toma pinga de virá garrafa, já deu tapa em treis caba safado que dissero que
era fea. E tudo duma veiz só...”.
Por todo lugar
e região não se falava noutra coisa. “Zabé botô o cavalo cansado no lombo e
mermo ansim correu atrais do garrote brabo. Quano o bicho se virô, ela já tava
pru riba. E foi perciso o valente chorá pá ela deixá levantá”. “No meio da
noite, tarvez meia apaixonada, a danada da Zabé inventô de descê a lua. Num se
sabe cuma, mai bastô a dizimpossive fazê um aceno que o quilarião veio se
derramano pertinho dela”.
“Conta que
certa feita Zabé achô de namorá. Escoieu o caba e mandô avisá que dali em
diante era seu namorado. E qui logo mai quiria qui ele fosse encrontá cum ela
lá pru detrais do tanquim. Coitado do caba. Tava inxuto e se mijou todim quano
recebeu o recado, quis fugí, quis inté tirá a porpia vida, mai todo mundo dixe
qui num tinha jeito, pru modo qui podia morrê qui ela ia atrais. E acunteceu
mai pió. O coitado tava noivo e desinoivô, tava de casamento marcado e
desmarcô. E adispoi de munto choro da famia, de despedida dos amigo e do
desmaio de sua véia mãe, foi-se ao encronto da dita. Ansim qui chegô no lugá
marcado, coisa de fim de tarde ainda luzenta, avistô arguem pru detrais duma
moita. Cum as perna bambando, sintindo frio e suó, iscuitou um assuviu e uma
voiz dizeno ‘sô eu, bebé, seu amô’. Bebé, só podia sê Zabé, pensô o caba. E era
mermo, a dita, a impossive da muié. E foi aí qui o caba quasi bate as bota. Pru
mode ansim qui ela saiu da moita e se mostrô pur intêra, o caba se viu de pé na
cova. Lhe deu um formigamento, um tremilicão tão da desgracêra qui quasi num se
segura de pé. E tudo pruquê o qui viu num pôde aquerditá. Zabé tava tom bonita,
mai tom bonita dum jeito que mai paricia uma frô. Rôpa apretada no corpo que
mai paricia uma serêa, cabelo tom pintiado que mai paricia ispiga de mio, de
rosto tom pintado qui mai paricia um auco-iro. E dixe qui o peufume entrava
pela venta do caba qui ele ficava im tempo de endoidá. E foi quano ela balançô
o dedo chamano ele pá junto. Mai cum coisa de treis parmo inté chegá perto
dela, a dita acenô qui parasse. É agora que a coisa vai fedê pruquê mandô qui
parasse e tirasse a rôpa, e a rôpa todinha, carça, camisa, chinelo, cueca,
tudo. E sem tê saída o caba foi ficano nuzinho da silva, mai quano abaixô a
cueca o pió acunteceu. De tom escondidim qui tava o negoço, de tom pitititim
qui tava o pingulim, qui ela lascô uma tapa na cara do caba e deu as costa. Mai
ante de saí dixe a ele qui no meio das perna tinha um maió qui aquele...”.
Até hoje o
povo do lugar debate acirradamente acerca do que Zabé quis realmente dizer nessa
última frase. Segundo uns, que estava comprovado que nem mulher ela era; já
para outros que era mulher até demais, e com o negócio grande, como quis
demonstrar. Mas alguns achavam tudo isso conversa sem pé nem cabeça, coisa de
quem não tinha o que fazer e levava a vida falando de quem nem conheciam
direito. E, realmente, poucos tiveram a honra e prazer de se avistar com Zabé,
a Isabel verdadeira.

Sempre
acontece assim. Quem prefere levar uma vida no recolhimento, na solidão, saindo
de sua casa apenas para regar os roseirais ao alvorecer e chorar mirando a lua
de seu quintal, logo é tida como louca ou como tudo que puderam maldosamente
inventar. Más línguas, terríveis e pecaminosas imaginações.
Mas Zabé não
era nada disso. Era apenas uma mulher e sua solidão. Morreu velha, ainda
solteirona, recolhida no seu aposento de todo dia, enquanto penteava e
conversava com sua boneca de pano.
(*) Meu nome é
Rangel Alves da Costa, nascido no sertão sergipano do São Francisco, no
município de Poço Redondo. Sou formado em Direito pela UFS e advogado inscrito
na OAB/SE, da qual fui membro da Comissão de Direitos Humanos. Estudei também
História na UFS e Jornalismo pela UNIT, cursos que não cheguei a concluir. Sou
autor dos eguintes livros: romances em "Ilha das Flores" e
"Evangelho Segundo a Solidão"; crônicas em "Crônicas
Sertanejas" e "O Livro das Palavras Tristes"; contos em
"Três Contos de Avoar" e "A Solidão e a Árvore e outros
contos"; poesias em "Todo Inverso", "Poesia Artesã" e
"Já Outono"; e ainda de "Estudos Para Cordel - prosa rimada
sobre a vida do cordel", "Da Arte da Sobrevivência no Sertão -
Palavras do Velho" e "Poço Redondo - Relatos Sobre o Refúgio do
Sol". Outros livros já estão prontos para publicação. Escritório do autor:
Av. Carlos Bulamarqui, nº 328, Centro, CEP 49010-660, Aracaju/SE.
Poeta e
cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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