domingo, 24 de fevereiro de 2013

QUEM MATOU A JACA? (Crônica)

Por: Rangel Alves da Costa
Rangel Alves da Costa

QUEM MATOU A JACA?

No dia anterior ao funesto acontecimento, muita coisa sucedeu debaixo e ao redor da frondosa jaqueira. Na estação propícia, já prestes a derramar os frutos vingados, o que se via era jaca grande e bonita se pendurando pelo tronco e galhagens encurvadas de tanto peso.

Jaqueira é árvore de tronco grosso, largo, com braços que vão se erguendo para formar uma copa espessa e vistosa. No tronco que se ergue em pedestal e nos galhos vigorosos é nascem os frutos que se deitam garbosamente. É de se admirar como suportam imensos frutos sem despencar tudo de vez.

Árvore diferenciada de tantas outras frutíferas, suas flores são os próprios frutos, as jacas. E estas de formato ovalado e casca com pequenas saliências pontiagudas e verdes quando ainda imaturas. Cada jaca pode alcançar cerca de quinze quilos, mantendo uma aparência muito diferente, pois asperosa, da riqueza que guarda por dentro.


Quase todas essas características a jaqueira possuía antes do calamitoso ocorrido. E quase todas porque nessa estação, como sempre acontecia nas outras, as jacas que não eram recolhidas no ponto começavam a cair por cima de tudo, se espatifando ruidosa e espalhafatosamente sobre quem ou o que estivesse embaixo.

Certa feita, passando ali de viagem longa e já cansado de tudo, um cabra avistou a imensa jaqueira, com sombreamento que parecia um suave leito para o adormecimento, e nem pensou duas vezes em repousar um pouquinho ali debaixo. Colocou cantil e embornal de lado e em menos de dois minutos já estava de sono solto. No terceiro minuto teve um pesadelo terrível.

E no sonho ruim de repente sentiu uma montanha caindo na sua cabeça. Era uma jaca madura que despencou e caiu bem em cima do chapéu sobre o rosto do coitado. Com o impacto, quis levantar de vez e não conseguiu. Sentiu o cheiro forte da fruta e gomos espalhados por todo lugar e nem pensou duas vezes. No mesmo instante foi devorando bagos  mais bagos até o peso diminuir.

Com a barriga cheia demais, eis que o sono bateu de vez. Ainda que estivesse todo sujo e empapuçado, ali mesmo virou de lado para o sono profundo. Até sonhar novamente, só que dessa vez com uma história que tempos atrás havia acontecido ali mesmo debaixo daquela jaqueira, e bem em cima de onde agora sonhava.

O sonho veio como um filme relatando tudo. Viu a jaqueira cheia de jaca, e sem que nenhuma houvesse sido recolhida ou caída de madura; ouviu passos de gente e bicho, piados de passarinhos, sons espalhados ao redor. E viu também quando, de repente, uma jaca soltou um grito medonho e despencou lá de cima. E por último a cena terrível: a jaca morta no chão, quase toda espatifada pelo baque.

Mas não viu quem havia feito aquilo, quem teria sido o responsável por aquela imensa tragédia, quem havia tirado a vida da jaca. Nem as outras jacas puderam ver nada. Imensas, de corpos gordos e sonolentos, estavam todas cochilando quando ouviram o grito da companheira. Quando despertaram assustadas avistaram apenas a outra já estatelada ao chão, logo abaixo. Cena terrível. Mas quem teria matado a jaca?

Como inicialmente afirmado, no dia anterior ao fato muita coisa sucedeu debaixo e ao redor da frondosa jaqueira. Pessoas passaram por ali e ficaram admirando a jaqueira tão vistosa e carregada; bichos do mato também rondaram de boca aberta; passarinhos, periquitos e outros voadores fizeram vários pousos nas galhagens.

Logicamente que todos queriam lançar mão numa jaca daquelas, estar por ali quando alguma despencasse lá de cima. Talvez tenham esperado e nada de um fruto cair, e também talvez por isso mesmo um deles resolveu arrancar a jaca pela raiz, brutalmente forçando sua caída já sem vida. Talvez, talvez e talvez... Mas se bicho ou gente tivesse matado a jaca, certamente as outras o teriam visto ali embaixo ou em fuga. Contudo, o que restou foi uma jaca morta e sem nenhum suspeito ao redor ou fugindo.


Continuava o maior rebuliço para saber do culpado, quando uma das jacas gritou que já sabia de tudo. Foi a ventania, gritou. E repetiu: foi a ventania! Ouvi ontem da boca da própria finada que no primeiro vento forte que passasse ela ia despencar para ser levada e poder conhecer outro mundo. E de olhos abertos ela esperou a ventania.

Gorda demais, muito mais pesada que qualquer ventania, temporal ou tempestade, caiu achando que era magra, esbelta. E foi o seu erro. O vento passou e não levou. E ela ficou estatelada no chão. Morreu tão nova, tão cheia de sonhos e vaidades. Pensou que era pluma, quis voar, quis ser levada. Somente a alma conseguiu seguir.
   

(*) Meu nome é Rangel Alves da Costa, nascido no sertão sergipano do São Francisco, no município de Poço Redondo. Sou formado em Direito pela UFS e advogado inscrito na OAB/SE, da qual fui membro da Comissão de Direitos Humanos. Estudei também História na UFS e Jornalismo pela UNIT, cursos que não cheguei a concluir. Sou autor dos eguintes livros: romances em "Ilha das Flores" e "Evangelho Segundo a Solidão"; crônicas em "Crônicas Sertanejas" e "O Livro das Palavras Tristes"; contos em "Três Contos de Avoar" e "A Solidão e a Árvore e outros contos"; poesias em "Todo Inverso", "Poesia Artesã" e "Já Outono"; e ainda de "Estudos Para Cordel - prosa rimada sobre a vida do cordel", "Da Arte da Sobrevivência no Sertão - Palavras do Velho" e "Poço Redondo - Relatos Sobre o Refúgio do Sol". Outros livros já estão prontos para publicação. Escritório do autor: Av. Carlos Bulamarqui, nº 328, Centro, CEP 49010-660, Aracaju/SE.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com


Se você gosta de ler histórias sobre "Cangaço" clique no link abaixo:
http://blogdomendesemendes.blogspot.com


Faça uma visitinha a este site:
http://cantocertodocangaco.blogspot.com


Observação:

Este endereço tem a palavra "Cangaço", mas não tem nada a ver com o tema, foi um erro no momento de sua criação. Ainda não conseguimos fazer outro link de acordo com o material postado. 

Nenhum comentário: