Por: Rangel Alves da Costa
QUEM
MATOU A JACA?
No dia
anterior ao funesto acontecimento, muita coisa sucedeu debaixo e ao redor da
frondosa jaqueira. Na estação propícia, já prestes a derramar os frutos
vingados, o que se via era jaca grande e bonita se pendurando pelo tronco e
galhagens encurvadas de tanto peso.
Jaqueira é
árvore de tronco grosso, largo, com braços que vão se erguendo para formar uma
copa espessa e vistosa. No tronco que se ergue em pedestal e nos galhos
vigorosos é nascem os frutos que se deitam garbosamente. É de se admirar como
suportam imensos frutos sem despencar tudo de vez.
Árvore
diferenciada de tantas outras frutíferas, suas flores são os próprios frutos,
as jacas. E estas de formato ovalado e casca com pequenas saliências
pontiagudas e verdes quando ainda imaturas. Cada jaca pode alcançar cerca de
quinze quilos, mantendo uma aparência muito diferente, pois asperosa, da
riqueza que guarda por dentro.

Quase todas essas características a jaqueira possuía antes do calamitoso
ocorrido. E quase todas porque nessa estação, como sempre acontecia nas outras,
as jacas que não eram recolhidas no ponto começavam a cair por cima de tudo, se
espatifando ruidosa e espalhafatosamente sobre quem ou o que estivesse embaixo.
Certa feita,
passando ali de viagem longa e já cansado de tudo, um cabra avistou a imensa
jaqueira, com sombreamento que parecia um suave leito para o adormecimento, e
nem pensou duas vezes em repousar um pouquinho ali debaixo. Colocou cantil e
embornal de lado e em menos de dois minutos já estava de sono solto. No
terceiro minuto teve um pesadelo terrível.
E no sonho
ruim de repente sentiu uma montanha caindo na sua cabeça. Era uma jaca madura
que despencou e caiu bem em cima do chapéu sobre o rosto do coitado. Com o
impacto, quis levantar de vez e não conseguiu. Sentiu o cheiro forte da fruta e
gomos espalhados por todo lugar e nem pensou duas vezes. No mesmo instante foi
devorando bagos mais bagos até o peso diminuir.
Com a barriga
cheia demais, eis que o sono bateu de vez. Ainda que estivesse todo sujo e
empapuçado, ali mesmo virou de lado para o sono profundo. Até sonhar novamente,
só que dessa vez com uma história que tempos atrás havia acontecido ali mesmo
debaixo daquela jaqueira, e bem em cima de onde agora sonhava.
O sonho veio
como um filme relatando tudo. Viu a jaqueira cheia de jaca, e sem que nenhuma
houvesse sido recolhida ou caída de madura; ouviu passos de gente e bicho,
piados de passarinhos, sons espalhados ao redor. E viu também quando, de
repente, uma jaca soltou um grito medonho e despencou lá de cima. E por último
a cena terrível: a jaca morta no chão, quase toda espatifada pelo baque.
Mas não viu
quem havia feito aquilo, quem teria sido o responsável por aquela imensa
tragédia, quem havia tirado a vida da jaca. Nem as outras jacas puderam ver
nada. Imensas, de corpos gordos e sonolentos, estavam todas cochilando quando
ouviram o grito da companheira. Quando despertaram assustadas avistaram apenas
a outra já estatelada ao chão, logo abaixo. Cena terrível. Mas quem teria
matado a jaca?
Como
inicialmente afirmado, no dia anterior ao fato muita coisa sucedeu debaixo e ao
redor da frondosa jaqueira. Pessoas passaram por ali e ficaram admirando a
jaqueira tão vistosa e carregada; bichos do mato também rondaram de boca
aberta; passarinhos, periquitos e outros voadores fizeram vários pousos nas
galhagens.
Logicamente
que todos queriam lançar mão numa jaca daquelas, estar por ali quando alguma
despencasse lá de cima. Talvez tenham esperado e nada de um fruto cair, e
também talvez por isso mesmo um deles resolveu arrancar a jaca pela raiz,
brutalmente forçando sua caída já sem vida. Talvez, talvez e talvez... Mas se
bicho ou gente tivesse matado a jaca, certamente as outras o teriam visto ali
embaixo ou em fuga. Contudo, o que restou foi uma jaca morta e sem nenhum suspeito
ao redor ou fugindo.
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Continuava o
maior rebuliço para saber do culpado, quando uma das jacas gritou que já sabia
de tudo. Foi a ventania, gritou. E repetiu: foi a ventania! Ouvi ontem da boca
da própria finada que no primeiro vento forte que passasse ela ia despencar
para ser levada e poder conhecer outro mundo. E de olhos abertos ela esperou a
ventania.
Gorda demais,
muito mais pesada que qualquer ventania, temporal ou tempestade, caiu achando
que era magra, esbelta. E foi o seu erro. O vento passou e não levou. E ela
ficou estatelada no chão. Morreu tão nova, tão cheia de sonhos e vaidades.
Pensou que era pluma, quis voar, quis ser levada. Somente a alma conseguiu
seguir.
(*) Meu nome é
Rangel Alves da Costa, nascido no sertão sergipano do São Francisco, no
município de Poço Redondo. Sou formado em Direito pela UFS e advogado inscrito
na OAB/SE, da qual fui membro da Comissão de Direitos Humanos. Estudei também
História na UFS e Jornalismo pela UNIT, cursos que não cheguei a concluir. Sou
autor dos eguintes livros: romances em "Ilha das Flores" e
"Evangelho Segundo a Solidão"; crônicas em "Crônicas
Sertanejas" e "O Livro das Palavras Tristes"; contos em
"Três Contos de Avoar" e "A Solidão e a Árvore e outros
contos"; poesias em "Todo Inverso", "Poesia Artesã" e
"Já Outono"; e ainda de "Estudos Para Cordel - prosa rimada
sobre a vida do cordel", "Da Arte da Sobrevivência no Sertão -
Palavras do Velho" e "Poço Redondo - Relatos Sobre o Refúgio do
Sol". Outros livros já estão prontos para publicação. Escritório do autor:
Av. Carlos Bulamarqui, nº 328, Centro, CEP 49010-660, Aracaju/SE.
Poeta e cronista
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