Por: Rangel Alves da Costa(*)
POVO
CONTRA POVO (O CARNAVAL DA INCOERÊNCIA)
Com certas
pessoas não tem jeito mesmo, procuram agir sempre pelo lado da incoerência, da
falta de bom senso, do erro absurdo. Parte do povo sertanejo infelizmente é
assim também, inconsequente de marca maior, pois condescendente com o gasto do
dinheiro público em festanças desnecessárias.
Por Deus, a
verdade é que o sertão está precisando é de ajuda, e não de festa. O momento
não está nada fácil para o sertanejo. Há poucos dias caiu uma chuvarada na
região, trovoada grande mesmo, mas esperança que veio e se foi dum dia pro
outro. Os tanques conseguiram juntar água, mas o tiquinho de mato rasteiro e
esturricado que restava para o rebanho foi levado pela enxurrada. E a água
juntada não dura uma sede.
A terra seca
demais e com barragens e grotões recortados de lama petrificada, a
chuva caída quase não foi de nenhuma valia. Nem molhar a terra molhou, passou
por cima, foi em embora na força d’água, da enxurrada levando tudo. Quando
muito, o que a chuva fez foi derrubar barracos e taperas e fragilizar ainda mais
a vida do desvalido matuto.

O sol continua
em fornalha, o mato seco não ganhou seiva suficiente, tudo continua tristeza e
cruel desolação. E o pior, a fome e a sede maltratando o bicho e o homem. Isso
mesmo, bicho e homem gemendo a mesmo dor, berrando o mesmo sofrimento. Prova
maior é a continuidade do estado de emergência nos municípios do alto sertão
sergipano do São Francisco.
E é num
ambiente assim, triste e sofrido, pobre e abandonado, que parte da população –
os mais jovens, para ser honesto – ansiosamente se preparou para brincar o
carnaval com os grupos musicais e bandas contratadas pela administração
municipal, dinheiro vindo dos cofres tão propagados pelos gestores como
completamente vazios. Um absurdo que só confirma o descompromisso dos governantes
e de parte da população com os problemas que afetam grande parcela dos
conterrâneos em miserável situação.
Certamente
precisam dos brioches de Maria Antonieta, se contentam com o pão e o circo.
Festa é para iludir mesmo, resolver com falsa alegria aquilo que é tristeza e
sofrimento. Os incautos, insensatos, de espíritos empobrecidos e almas vazias,
certamente se refestelam com o pão da insensatez e o festim da negação da
realidade tão sobressalente aos olhos e sentimentos. Mas para aqueles que os
tem.
O problema é
que, ao menos por enquanto, diante da continuidade da estiagem aterradora, não
se deveria nem falar em gastança desnecessária. É apenas uma questão de
coerência com a realidade, um tipo de solidariedade àqueles que conhecem tão
bem, pois seus conterrâneos, seres viventes nas proximidades ou arredores.
Ademais, o mundo não iria acabar para o povo festeiro se a administração
decidisse não gastar o dinheiro que poderia ser muito melhor destinado para
suprir reais necessidades.
O Tribunal de
Contas de Sergipe se manifestou acerca dessa situação. Prevendo o que de fato
iria acontecer nos municípios em estado de emergência, o procurador-geral do
Ministério Público de Contas, Sérgio Monte Alegre, apresentou proposta
sugerindo que o Tribunal determinasse a esses municípios que não realizassem
qualquer tipo de festas, inclusive as religiosas e carnavalescas.

Contudo,
diante da proximidade do Carnaval, os conselheiros ponderaram que alguns
municípios podem já ter contratado shows ou artistas, e assim optaram pela
advertência, com a ressalva de que cada circunstância será examinada
separadamente. Houve ainda recomendação que os tais municípios, por ferir o
Princípio da Razoabilidade, se abstivessem de realizar despesas com festejos
carnavalescos, salvo se financiadas pela iniciativa privada ou com recursos
provenientes de outra Pessoa Jurídica de Direito Público Interno com destinação
específica para este fim, como asseverou sua assessoria de comunicação.
Neste momento,
de pouca valia serão a advertência e a recomendação, e até mesmo porque os
administradores municipais parecem não dar muita importância a quaisquer dos
princípios da administração pública e nem às determinações exaradas pelo órgão
estadual de contas. Confiam demais na impunidade e vão fazendo festim dos
cofres públicos.
E se mais
tarde houver qualquer questionamento acerca da realização de festas com
dinheiro público e num município em estado de emergência, logo virão com a
resposta clássica dizendo que o povo precisa também se divertir. Sim, senhor
prefeito, mas se a outra parte desse povo não estivesse tanto precisando de
ajuda para minimamente sobreviver.
(*) Meu nome é
Rangel Alves da Costa, nascido no sertão sergipano do São Francisco, no
município de Poço Redondo. Sou formado em Direito pela UFS e advogado inscrito
na OAB/SE, da qual fui membro da Comissão de Direitos Humanos. Estudei também
História na UFS e Jornalismo pela UNIT, cursos que não cheguei a concluir. Sou
autor dos eguintes livros: romances em "Ilha das Flores" e
"Evangelho Segundo a Solidão"; crônicas em "Crônicas
Sertanejas" e "O Livro das Palavras Tristes"; contos em
"Três Contos de Avoar" e "A Solidão e a Árvore e outros
contos"; poesias em "Todo Inverso", "Poesia Artesã" e
"Já Outono"; e ainda de "Estudos Para Cordel - prosa rimada
sobre a vida do cordel", "Da Arte da Sobrevivência no Sertão -
Palavras do Velho" e "Poço Redondo - Relatos Sobre o Refúgio do
Sol". Outros livros já estão prontos para publicação. Escritório do autor:
Av. Carlos Bulamarqui, nº 328, Centro, CEP 49010-660, Aracaju/SE.
Poeta e
cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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