Por: Rangel Alves da Costa(*)
OLHA
A BARATA!
Amaldiçoada ou
injustiçada, nojenta ou inofensiva, asquerosa ou inseto normal igual aos
outros, verdade é que basta ecoar a pronúncia “olha a barata!” para o mundo
revirar.
Tem gente que
desmaia no mesmo instante do anúncio da presença da danadinha sorrateira,
astuta demais. Pessoas correm desatinadas, gritam, chocalham, arrepiam, sobem
em cadeiras e até em guarda-roupas.
Já ouvi falar
sobre gente que maluqueceu ao acender a luz e encontrar uma baratinha
sorridente logo adiante. Muitos já foram para o outro mundo ao se deparar com
uma blattodea subindo pelas pernas ou passeando por cima das roupas.

Uma guerra
entre nações já foi declarada por causa de uma barata. O governante desafeto
chamou o outro de blatella periplaneta parahormetica. Ao ser informado, o outro
mandou traduzir e enrubesceu: fora chamado de barata de esgoto, barata cascuda,
barata de cozinha. A guerra foi declarada e demorou dez anos, sem vencedores.
Certa feita
uma sinantrópica de marrom aquoso desceu, em plena igreja e na hora da missa,
pelos peitos murchos de uma beata, e o que se viu depois foi cena do outro
mundo. A carola tanto pulava como gritava, sacudia-se toda e levantava
incessantemente a barra do saião.
Como nem o
padre nem os fiéis sabiam o que realmente se sucedia, o sermão teve de ser
interrompido e a missa logo se transformou num ritual de exorcismo. Todos
juravam que a mulher estava possuída. Só não sabiam que por uma barata.
Quando, depois
de muita água benta despejada e pancadas com cruz de madeira pelo corpo todo, o
assustado e desconjuntado inseto caiu ao chão, outra beata lembrou que o
disfarce do “coisa ruim” o faz aparecer num ser qualquer na tentativa de
enganar. E que aquela barata só podia ser sua presença.
Então jogaram
a coitada da mulher num canto e começaram uma caçada enlouquecida ao “coisa
ruim” travestido de barata. E esta, ainda que machucada pelas pancadas
recebidas por cima das asas, juntou as forças que tinham e correu desesperada
em busca de salvação.
A
incansavelmente perseguida, após se salvar de pontada de guarda-chuva, de
solados de chinelos e até de bíblias arremessadas em sua direção, já estava
saindo pela porta da frente quando percebeu um garotinho entrando na igreja.
Olhou pra trás
e para os lados, mas tudo tomado de pés e objetos para destruí-la, matá-la de
vez, e só viu saída seguindo em frente. Mas quando olhou adiante para correr,
só encontrou escuridão. Estava bem debaixo do sapato do garotinho, entre o chão
e o solado.
Pelo amor de
Deus não me mate não, pois sou apenas uma inocente baratinha em fuga. Mas o
menino não ouviu. Nem ouviu nem desceu o pé. Já entregue às orações de
despedida, o inseto esperava apenas ser terrivelmente esmagado. Esperou mais um
segundo, e nada. Nada do pé baixar de vez e fazer seus miolos esbranquiçados
espalharem pelo chão.
Pisa, pisa,
pise logo seu moleque desgraçado, pisa. Gritavam as beatas, até fazendo ameaças
em sua direção com os objetos que tinham em mãos. Pisa logo moleque safado,
pise logo, esmague logo essa vagabunda. Aí a coisa começou a desandar.
Ao ouvir na
sua igreja palavras como moleque safado e vagabunda, o vigário resolveu
imediatamente intervir. Gritou que não aceitaria termos chulos no templo
cristão e que se elas – as beatas – quisessem falar asneiras que fossem para o
lado de fora, para o meio da rua. E expulsou-as raivosamente.
Tudo isso
acontecendo e o garotinho sem ao menos saber do que se tratava aquela confusão
toda. Ali parado, estático, com um pé no chão e outro meio levantado, não
imaginava que era ele a causa daquilo tudo. E ele porque se houvesse pisado
logo no chão já tinha acabado aquela história toda.
Enquanto isso,
a barata, que por alguns segundos havia se desesperançado de vez, sentiu que
poderia se salvar, correr imediatamente debaixo daquele solado. E foi isso que
fez. Quando o menino baixou o sapato e pisou no chão, apenas um pedacinho de
asa ficou no lugar.

Após a fuga, e
para evitar encontro com as beatas indignadas lá fora, a barata não viu outra
saída senão ir se esconder no confessionário. Ali se pôs num cantinho para
recuperar-se dos machucados e do susto da quase-morte.
Depois do
terceiro dia ali silenciosamente escondida, mas ouvindo as aberrações maiores
do mundo nas confissões, resolveu que não seria digno para uma barata continuar
vivendo no mesmo mundo de tantas safadezas e traições. As confissões ouvidas
causaram tanto enojamento do ser humano que resolveu tomar uma terrível
decisão.
Posicionou-se
bem adiante da portinhola da casinha dos pecados. Assim que o padre saiu do
confessionário pisou em cima de alguma coisa provocando um breve estalido.
Quando levantou o pé viu o corpo da barata transformado em massa esbranquiçada.
Coisa mais feia, nojenta, asquerosa.
Entristecido
por haver tão cruelmente matado um ser vivente, ali mesmo rezou missa.
Assistida por dezenas de baratas chorosamente molhadas que chegavam de todo
lugar.
(*) Meu nome é Rangel
Alves da Costa, nascido no sertão sergipano do São Francisco, no município de
Poço Redondo. Sou formado em Direito pela UFS e advogado inscrito na OAB/SE, da
qual fui membro da Comissão de Direitos Humanos. Estudei também História na UFS
e Jornalismo pela UNIT, cursos que não cheguei a concluir. Sou autor dos
eguintes livros: romances em "Ilha das Flores" e "Evangelho
Segundo a Solidão"; crônicas em "Crônicas Sertanejas" e "O
Livro das Palavras Tristes"; contos em "Três Contos de Avoar" e
"A Solidão e a Árvore e outros contos"; poesias em "Todo
Inverso", "Poesia Artesã" e "Já Outono"; e ainda de
"Estudos Para Cordel - prosa rimada sobre a vida do cordel", "Da
Arte da Sobrevivência no Sertão - Palavras do Velho" e "Poço Redondo
- Relatos Sobre o Refúgio do Sol". Outros livros já estão prontos para
publicação. Escritório do autor: Av. Carlos Bulamarqui, nº 328, Centro, CEP
49010-660, Aracaju/SE.
Poeta e
cronista
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