segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

Carta a El-Rey D. Serigy (Crônica)

Por: Rangel Alves da Costa(*)
Rangel Alves da Costa

Carta a El-Rey D. Serigy 

Senhor de arma e combate, posto que outros Senhorios já tantas missivas escrevam a Vossa Alteza acerca das maravilhas dessa sempre nova terra, que agora em tão modernidade se acha, não deixarei de também dar disso minha conta a Vossa Alteza, assim como eu melhor puder, ainda que somente por ventura maior seja lido por tão sábia governança.

Todavia tome Vossa Alteza minha ousadia e insistência por boa vontade, a qual bem certo creia que, para expressar somente a verdade, aqui não hei de acrescentar mais do que aquilo que vejo e me parece. E antecipo, Nobre Senhor, que, se conhecesse melhor o teu reino, do qual esta nova terra faz parte, tudo fazia para renascê-lo, jamais perecer, como infelizmente se alastra.


Saiba, Vossa Alteza, que aqui nesta terra que um dia apregoaram como de muitos cajueiros e papagaios, segundo ainda se ouve saudosamente, e que também foi moradia de um bravo cacique e sua aldeia, bem se aplicaria ao dito por Caminha, o conhecido Escrivão, numa Carta referindo-se a outras terras. Verdade é que aqui tudo de bom vingaria, se assim fosse cultivado no solo fértil para a semeadura de homens e grãos.

Senhor, por certo hei que algum grão foi semeado por aqui. As árvores da sabedoria são avistadas pelos caminhos, o conhecimento frutificou pelas eiras das vastidões. Mas nem só de homens vive uma nova terra, senão que os responsáveis pelo seu destino cultivem também o bom hábito do progresso com honestidade, do trabalho com eficiência, do atendimento às necessidades nativas, do respeito à dignidade humana.

Ouvi de um velho nativo, pessoa de feição cansada pelas desditas do tempo, que as riquezas da terra nova contrastam com o que realmente possa ser encontrado. Vossa Alteza, acaso conhecesse essa parte do reino e a mão do trabalho nele se dispusesse repousar, hei por certo que seria o maior alquimista de todos os governantes. São costas maravilhosas, de praias belíssimas e convidativas, serras e montes onde a natureza faz pujante moradia, rios que são veias azuis cortando os caminhos, recantos os mais aprazíveis que se possa encontrar.

O tino de Vossa Alteza, soberano que um dia trouxe o sol para ladear com a lua, aliado à tão eficiente maestria com que trata os negócios políticos e os labirintos da governança, certamente seria muito útil para fazer progredir essa parte do Vosso reino. Ajoelhado e já pedindo perdão, confesso que bastaria dispor o vintém do reino no lugar certo, saber aplicar o numerário para o progresso do nativo, disponibilizar mais verbas para acudir às necessidades a dar esmolas aos que já vivem demasiadamente saciados das benesses do poder.

Cortou-me o coração, confesso, caminhar por tantos caminhos e neles encontrar a fome em meio aos frutos da estação, doentes ao lado das boticas medicinais em ervas milagrosas a perder de vista, pessoas sem ofício algum que lhes dêem proveito e sustento. Contudo, no outro lado da estrada avistei aldeias que pareciam o paraíso, com pessoas afortunadas e sorridentes. Vossa Alteza andaria por tais lugares sem sujar os lustrosos sapatos.

Acaso Vossa Alteza chegasse ao meio desse povo sentiria o orgulho de cada um em ter nascido neste chão, a alegria da esperança por dias melhores. Não faria mal algum aos Vosso organismo que algum dia viesse caminhar por estes descampados, sentir a aragem medicinal da manhã, conhecer de perto como vivem os nativos deste seu grande reino. E seria de bom proveito porque acabaria de vez com a aleivosia sempre repetida dando conta que o governante só se avista com os caciques.

Certamente o povo festejaria Vossa presença e acreditaria, crente e religioso de toda fé, em tudo que prometesse realizar, ainda que os ofícios da governança não deixassem tempo de mais lembrar que tais nativos sequer existem. E por verdadeiramente existirem, peço mil perdões para acentuar que desde muito saíram do estado primitivo e já conhecem muito bem tudo que acontece ao redor, até dos meandros do Vosso reinado. E um povo assim, Vossa Alteza, é deveras muito perigoso acaso queira ir de encontro ao reino.


Implorando mil desculpas e graças, rogo que não envie mais espelhinhos e outras bugigangas para os nativos. Continuar assim assoma-se como afronta às consciências já formadas e dispostas a terem os melhores presentes como fruto do próprio trabalho. Acredite, Vossa Alteza, ao invés de esmolas, o povo necessita é de respeito, tratamento digno e ter a certeza que não vivem abandonados pelo reino.

Razão, Vossa Alteza, tinha Caminha, pois também aqui, em se plantando, tudo dá. Como os frutos do progresso não nascem sozinhos, que o Vosso Governo tenha sempre uma mão estendida com as sementes do trabalho e do desenvolvimento para tão graciosa terra nova. Por tudo, e em nome de Deus e do Vosso Reino.
  
(*) Meu nome é Rangel Alves da Costa, nascido no sertão sergipano do São Francisco, no município de Poço Redondo. Sou formado em Direito pela UFS e advogado inscrito na OAB/SE, da qual fui membro da Comissão de Direitos Humanos. Estudei também História na UFS e Jornalismo pela UNIT, cursos que não cheguei a concluir. Sou autor dos eguintes livros: romances em "Ilha das Flores" e "Evangelho Segundo a Solidão"; crônicas em "Crônicas Sertanejas" e "O Livro das Palavras Tristes"; contos em "Três Contos de Avoar" e "A Solidão e a Árvore e outros contos"; poesias em "Todo Inverso", "Poesia Artesã" e "Já Outono"; e ainda de "Estudos Para Cordel - prosa rimada sobre a vida do cordel", "Da Arte da Sobrevivência no Sertão - Palavras do Velho" e "Poço Redondo - Relatos Sobre o Refúgio do Sol". Outros livros já estão prontos para publicação. Escritório do autor: Av. Carlos Bulamarqui, nº 328, Centro, CEP 49010-660, Aracaju/SE.

Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com

Se você gosta de ler histórias sobre "Cangaço" clique no link abaixo:
http://blogdomendesemendes.blogspot.com


Faça uma visitinha a este site:
http://cantocertodocangaco.blogspot.com


Observação:

Este endereço tem a palavra "Cangaço", mas não tem nada a ver com o tema, foi um erro no momento de sua criação. Ainda não conseguimos fazer outro link de acordo com o material postado. 



Nenhum comentário: