sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

A MÃO DO HOMEM (Crônica)

Por: Rangel Alves da Costa
Rangel Alves da Costa

A MÃO DO HOMEM 

Se há um instrumento terrível, devastador, covardemente destruidor, este é a mão do homem. Aonde o seu passo chega, seu braço alcança, sua mão toca, ali estará o fim.

A mão que tocou a maçã proibida no Paraíso, a saudação nazista e sua mão arrogantemente estendida, a mão cujo dedo polegar gesticula a destruição, a mão onde as linhas do destino se transformam no arrebatamento do destino do próximo.

Não se cogita aqui de ver a mão humana pelo lado humanista, defendendo-a nas suas virtudes. Seria raridade apontar uma mão que se volte única e exclusivamente para fazer o bem, para a benção, para doar o pão.

Logicamente que existe a mão do carinho, do afago, do conforto. Contudo, tal órgão anatômico ao repousar afetuosamente sobre o outro está despido de intencionalidade própria, pois obedecendo aos sentimentos de afeição e talvez de amor. E tudo parte do coração, órgão aliás que poucos parecem ter.

Contudo, a grande verdade é que não existe mão santa, inocente, imune às tentações tão próprias do homem. Assim, a mão que doa continua estendida esperando receber; a mão que entrega a flor dá um tapa na cara, e muitas vezes logo após entregar a flor. A mão que desenha a pomba da paz assina a ordem de ataque, da guerra, da devastação.

O que sobreleva na mão é o seu poder de ser tão verdadeira. Ela não volta atrás, até porque o estrago já foi feito ou a intencionalidade cumpriu seu objetivo. Com o dedo em riste, aponta, indica, sinaliza, gesticula, sentencia de vida ou de morte. E na carícia que faz é para sentir o valor que tem e se apoderar.


Lógico que a mão não é membro que age sozinho. Toda a ação que vier a praticar é comandada pelo querer da pessoa, pelos seus sentidos, pelo seu objetivo mental. E neste poderia afirmar que não se deveria culpabilizar a mão, mas o homem em si.

Contudo, o recorte que se faz é no sentido de, essencialmente, mostrar o poder de ação, e como age, desse pequeno órgão da extremidade dos membros superiores, que também é responsável pelo tato, um dos sentidos humanos.

A mão deveria ser vista no mesmo patamar dos outros órgãos humanos. Contudo, os outros são praticamente inocentes e ineficazes diante do poder que uma mão possui. Os olhos, por exemplo, veem, sentem, sofrem, mas não podem modificar nada. Com a mão é diferente, pois vai lá e transforma tudo.

Por mais que pretendam inocentar a mão pela prática de crimes, atrocidades, violências, destruições, não há como deixar de vê-la segurando os instrumentos que provocam tudo isso, levando com segurança aquilo que mais tarde provocará terríveis consequências para o seu próprio dono.

É ela, a mão sedenta de sangue, que puxa a arma, aponta e aperta e gatilho; e a mesma que coloca o objeto assassino no mesmo lugar, e como se nada demais tivesse acontecido. Ora, uma vida talvez não valha mesmo nada. É ela, a infame mão, que amola e recolhe a pedra, amola a faca, coloca-a na bainha e depois na cintura. E no momento certo retalha o que bem entender.

É ela, a abjeta mão, que aponta o local na mata, indica árvore que deve ser derrubada, segura a motosserra e depois, como num sopro, dá um leve empurrão para a morte da natureza. E é também ela que cuida de cortar a madeira, colocá-la no transporte, indicar o destino final para a transformação. Satisfeita, é exatamente ela que recolhe o dinheiro com a venda.
É ela, a mão assassina, que de facão em punho vai abrindo a floresta, cortando a mata, até encontrar os ninhos dos pássaros, a moradia das onças, dos veados, dos caititus, das antas, das seriemas, de tudo que for bicho ainda existente. E depois é ela que aponta a arma, aperta o gatilho e em seguida vai recolher seu troféu. E também é ela que sangra o bicho de estimação para fazer molho pardo para o refestelo das gulodices.

É ela, a mão covarde, que coloca o copo na boca e faz a cachaça se derramar goela abaixo. É a mesma que empurra a porta de casa, esbofeteia a esposa, agride os filhos, levanta violentamente as tampas de panelas e depois atira uma a uma no quintal. E aponta o dedo para ameaçar, quando não procura violentar novamente.

É ela, a mão insensível, pusilânime, desumana, que desenha o mapa da guerra, aponta os locais de ataques, escreve nas estatísticas o número de mortos. E sem falar que é também ela que rouba, furta, lesiona, atira pedra na vidraça do outro.

Quem dera que a mão só servisse para dar adeus. E adeus para sempre àqueles que fazem das mãos a vergonha da vida, a desonra humana.

(*) Meu nome é Rangel Alves da Costa, nascido no sertão sergipano do São Francisco, no município de Poço Redondo. Sou formado em Direito pela UFS e advogado inscrito na OAB/SE, da qual fui membro da Comissão de Direitos Humanos. Estudei também História na UFS e Jornalismo pela UNIT, cursos que não cheguei a concluir. Sou autor dos eguintes livros: romances em "Ilha das Flores" e "Evangelho Segundo a Solidão"; crônicas em "Crônicas Sertanejas" e "O Livro das Palavras Tristes"; contos em "Três Contos de Avoar" e "A Solidão e a Árvore e outros contos"; poesias em "Todo Inverso", "Poesia Artesã" e "Já Outono"; e ainda de "Estudos Para Cordel - prosa rimada sobre a vida do cordel", "Da Arte da Sobrevivência no Sertão - Palavras do Velho" e "Poço Redondo - Relatos Sobre o Refúgio do Sol". Outros livros já estão prontos para publicação. Escritório do autor: Av. Carlos Bulamarqui, nº 328, Centro, CEP 49010-660, Aracaju/SE.


Poeta e cronista
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