quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

SERTÃO, SECA, DE NOVO... (Crônica)

Por: Rangel Alves da Costa(*)
Rangel Alves da Costa

SERTÃO, SECA, DE NOVO

Creio que nem precisaria falar novamente sobre a seca que devasta a região sertaneja. Seria repetir o mesmo, dizer novamente das pessoas e animais agonizantes, dos roçados esturricados, da falta de condições de sobrevivência, da vida em desolação.

Parecem manchetes antigas de jornais, apenas repetidas: A seca assola o sertão nordestino; Ossadas de animais já se acumulam nas propriedades sertanejas; O sertanejo lamenta e diz que nunca passou por uma seca igual. Notícia de hoje, mas a mesma de anos passados, de muito tempo atrás.

Sempre acontece a mesma coisa, com a mesma estiagem que vai avançando mansamente e num instante os tanques e barreiros já lamacentos, as plantas esturricadas e mortas, o gado magro, a falta de palma e capim para o bicho, e o povo faminto e sedento. O que surge de novo é o maior ou menor espanto.


Verdade é que o problema se repete ano após ano, numa rotina de visitante, sem haver solução, até porque não há solução para uma disposição natural, climática, e não humana. Tão própria do Nordeste é a estiagem, os longos períodos sem chuvas. O que se poderia fazer, isto sim, era tentar minimizar as tão desastrosas consequências.

Os estudiosos são unânimes em afirmar que a seca é problema que jamais deixará de existir no sertão. Não há ação humana que possa modificar a capacidade pluviométrica, as características próprias da região, as correntes de ar que se formam em pontos muito distantes e as pressões atmosféricas sobre a região, além logicamente das disposições cíclicas da natureza.

Contudo, os mesmos estudiosos apontam que o meio pode ser transformado para diminuir o problema. E agir perante o meio implicaria em combater o desmatamento desenfreado; implantar projetos de irrigação eficazes em toda a região ribeirinha; construção de reservatórios potentes para armazenamento de água; implementação de políticas públicas sérias e continuadas, que tornassem o sertanejo menos dependente da terra, do plantio e da colheita.


Enquanto o problema não é tratado com seriedade e com ações duradouras, certamente que a seca continuará penalizando a grande maioria da população sertaneja, principalmente aquelas famílias que vivem nos lugarejos mais afastados dos centos urbanos. Muito diferente do que ocorre com uma minoria que tira dividendos político-eleitoreiros da miséria que vergonhosamente se alastra nos quatro cantos.

Durante todo esse tempo que se discute o problema, jamais uma política eficaz foi levada a efeito na região. Os estudos se avolumam, soluções são planejadas, mas o que se vê é o que se repete sempre: a cada estiagem mais prolongada esmolas são destinadas para iludir o desvalido sertanejo.
E porque sempre acontece, não há como negar que há uma vontade política deliberada para não resolver absolutamente nada. O descaso, a vergonha da fome e da sede, o abandono deliberado de seres humanos e seus pequenos rebanhos, acabam se tornando política de governo. Quanto mais seca mais recursos, mais esmolas chegando para a manutenção do vergonhoso clientelismo.

Mas nem precisa perguntar por que isso acontece. Ora, uma cesta de alimento estragado rende voto, cria vínculo de sujeição do miserável, de quem não tem saída, ao governo clientelista; um carregamento de água será anotado no caderninho para mais tarde, em época de eleição, ser cobrado; tudo o que se faça ou dê como esmola terá dividendos políticos. E nada de novo debaixo do sol.

Em tal contexto, qual governante que quer ver o problema resolvido? Ademais, a seca não só produz bons frutos ao governante como pode ser utilizada como desculpa para deixar de realizar obras essenciais. E o que restará é um município caindo aos pedaços, com população cada vez mais empobrecida, e o gestor fingidamente entristecido. E a desculpa pela inércia, pelo descaso, na ponta da língua: todos os recursos estão sendo destinados para combater a seca.


É sempre assim. Sob a justificativa de que o município está em situação calamitosa, acaba deixando de trabalhar para o bem da comunidade. E as verbas já destinadas às obras e serviços acabam desaparecendo de vez. Contudo, talvez por milagre administrativo, sempre há verba reservada para festanças e outras incongruências.

Enquanto isso, debaixo do sol, avistando a ossada da mimosa que lhe restava, o sertanejo continua espalhando pelo ar, olhar adiante, toda a sua crença. E acredita em tudo. Crê que aquela situação logo passará e na próxima estiagem não haverá tanto sofrimento; crê que o governante está preocupado com aquela miséria toda e que logo riscará ali um carregamento de água.

Crê, enfim, que político é humano.
  
(*) Meu nome é Rangel Alves da Costa, nascido no sertão sergipano do São Francisco, no município de Poço Redondo. Sou formado em Direito pela UFS e advogado inscrito na OAB/SE, da qual fui membro da Comissão de Direitos Humanos. Estudei também História na UFS e Jornalismo pela UNIT, cursos que não cheguei a concluir. Sou autor dos eguintes livros: romances em "Ilha das Flores" e "Evangelho Segundo a Solidão"; crônicas em "Crônicas Sertanejas" e "O Livro das Palavras Tristes"; contos em "Três Contos de Avoar" e "A Solidão e a Árvore e outros contos"; poesias em "Todo Inverso", "Poesia Artesã" e "Já Outono"; e ainda de "Estudos Para Cordel - prosa rimada sobre a vida do cordel", "Da Arte da Sobrevivência no Sertão - Palavras do Velho" e "Poço Redondo - Relatos Sobre o Refúgio do Sol". Outros livros já estão prontos para publicação. Escritório do autor: Av. Carlos Bulamarqui, nº 328, Centro, CEP 49010-660, Aracaju/SE. 

Poeta e cronista
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