Por: Rangel Alves da Costa(*)
SERTÃO,
SECA, DE NOVO
Creio que nem
precisaria falar novamente sobre a seca que devasta a região sertaneja. Seria
repetir o mesmo, dizer novamente das pessoas e animais agonizantes, dos roçados
esturricados, da falta de condições de sobrevivência, da vida em desolação.
Parecem
manchetes antigas de jornais, apenas repetidas: A seca assola o sertão
nordestino; Ossadas de animais já se acumulam nas propriedades sertanejas; O
sertanejo lamenta e diz que nunca passou por uma seca igual. Notícia de hoje,
mas a mesma de anos passados, de muito tempo atrás.
Sempre acontece
a mesma coisa, com a mesma estiagem que vai avançando mansamente e num instante
os tanques e barreiros já lamacentos, as plantas esturricadas e mortas, o gado
magro, a falta de palma e capim para o bicho, e o povo faminto e sedento. O que
surge de novo é o maior ou menor espanto.
Verdade é que
o problema se repete ano após ano, numa rotina de visitante, sem haver solução,
até porque não há solução para uma disposição natural,
climática, e não humana. Tão própria do Nordeste é a estiagem, os longos
períodos sem chuvas. O que se poderia fazer, isto sim, era tentar minimizar as
tão desastrosas consequências.
Os estudiosos
são unânimes em afirmar que a seca é problema que jamais deixará de existir no
sertão. Não há ação humana que possa modificar a capacidade pluviométrica, as
características próprias da região, as correntes de ar que se formam em pontos
muito distantes e as pressões atmosféricas sobre a região, além logicamente das
disposições cíclicas da natureza.
Contudo, os
mesmos estudiosos apontam que o meio pode ser transformado para diminuir o
problema. E agir perante o meio implicaria em combater o desmatamento
desenfreado; implantar projetos de irrigação eficazes em toda a região
ribeirinha; construção de reservatórios potentes para armazenamento de água;
implementação de políticas públicas sérias e continuadas, que tornassem o
sertanejo menos dependente da terra, do plantio e da colheita.
Enquanto o
problema não é tratado com seriedade e com ações duradouras, certamente que a
seca continuará penalizando a grande maioria da população sertaneja,
principalmente aquelas famílias que vivem nos lugarejos mais afastados dos
centos urbanos. Muito diferente do que ocorre com uma minoria que tira
dividendos político-eleitoreiros da miséria que vergonhosamente se alastra nos
quatro cantos.
Durante todo
esse tempo que se discute o problema, jamais uma política eficaz foi levada a
efeito na região. Os estudos se avolumam, soluções são planejadas, mas o que se
vê é o que se repete sempre: a cada estiagem mais prolongada esmolas são
destinadas para iludir o desvalido sertanejo.
E porque
sempre acontece, não há como negar que há uma vontade política deliberada para
não resolver absolutamente nada. O descaso, a vergonha da fome e da sede, o
abandono deliberado de seres humanos e seus pequenos rebanhos, acabam se
tornando política de governo. Quanto mais seca mais recursos, mais esmolas
chegando para a manutenção do vergonhoso clientelismo.
Mas nem
precisa perguntar por que isso acontece. Ora, uma cesta de alimento estragado
rende voto, cria vínculo de sujeição do miserável, de quem não tem saída, ao
governo clientelista; um carregamento de água será anotado no caderninho para
mais tarde, em época de eleição, ser cobrado; tudo o que se faça ou dê como
esmola terá dividendos políticos. E nada de novo debaixo do sol.
Em tal
contexto, qual governante que quer ver o problema resolvido? Ademais, a seca
não só produz bons frutos ao governante como pode ser utilizada como desculpa
para deixar de realizar obras essenciais. E o que restará é um município caindo
aos pedaços, com população cada vez mais empobrecida, e o gestor fingidamente
entristecido. E a desculpa pela inércia, pelo descaso, na ponta da língua:
todos os recursos estão sendo destinados para combater a seca.
É sempre
assim. Sob a justificativa de que o município está em situação calamitosa,
acaba deixando de trabalhar para o bem da comunidade. E as verbas já destinadas
às obras e serviços acabam desaparecendo de vez. Contudo, talvez por milagre
administrativo, sempre há verba reservada para festanças e outras
incongruências.
Enquanto isso,
debaixo do sol, avistando a ossada da mimosa que lhe restava, o sertanejo
continua espalhando pelo ar, olhar adiante, toda a sua crença. E acredita em
tudo. Crê que aquela situação logo passará e na próxima estiagem não haverá
tanto sofrimento; crê que o governante está preocupado com aquela miséria toda
e que logo riscará ali um carregamento de água.
Crê, enfim,
que político é humano.
Poeta e
cronista
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