Por: Rangel Alves da Costa(*)
O
QUE TENHO, O QUE ME FALTA
Tenho a vida,
uma dádiva reconhecida, mas apenas um jardim desnudo, um campo de relva sem
brisa. Uma vida assim precisa ser preenchida com lua e estrela, com manhã e
sol, uma alegria no peito e uma poesia no espelho do olhar.
Tenho uma
idade, um tempo de presença na terra, algo assim como calendário que
imperceptivelmente vou marcando a cada novo amanhecer. Mas além da idade queria
ter outro tempo, outro calendário, sem ter de seguir sempre adiante e poder
voltar para muito refazer.
Tenho uma
casa, uma moradia, um endereço, e numa rua onde passam pessoas, transitam
veículos, é perto de tudo, até da dita civilização. Mas como eu queria ter
apenas uma casinha no campo, aquela mesma branca e de sapé, sem quintal, sem
muro, apenas com mataria ao redor e o Deus da natureza chegando na lua e sol.
Tenho um velho
caderno com folhas ainda em branco, e também tenho um lápis sem ponta e uma
caneta. Tudo em cima de uma mesa rústica ao lado da lamparina e da garrafa de
vinho pela metade. E também tenho uma caneca. Ela cheira a vinho e está vazia.
Ao redor tenho uma janela aberta que se abre pra noite, pra brisa que
mansamente sopra. Tenho ainda uma saudade imensa, palavras de amor que não
foram escritas. Quem me dera ser poeta, quem me dera o dom do verso e da
lágrima caindo na folha.
Tenho uma
agenda repleta de nomes de pessoas, telefones, endereços, ocupações, além de
outras observações. São tantos nomes que às vezes nem lembro mais quem é aquela
pessoa e o porquê daquele nome ter ido parar ali. Mas nem precisava ser assim.
Queria apenas ter amigos que coubessem numa folha. E tão verdadeiros, sinceros
e prestativos, que nem precisassem ser lembrados na escrita, mas pela agenda do
coração.

Tenho um velho
baú, um também velho álbum de fotografias, além de um monte de outras pequenas
relíquias do passado. Nunca deixei a história abandonada nem guardei nos porões
ou joguei no lixo o passado. Das raízes me alimento para o fortalecimento do
presente, para saber de onde vim e quem realmente sou. Mas sinto que ainda me
falta uma pequena coisa: situar-me na história, conquistar um espaço no seu
diário para, mais tarde, não me tornar esquecimento.
Tenho um
terno, um sapato bonito de couro cru, uma gravata e uma carteira porta-
cédulas. Tenho também carteira profissional, uma pasta executiva, uma agenda de
clientes e um porta-cartão de visita. Tenho um código e uma lei, uma
doutrina e uma jurisprudência. Tenho um processo para ser solucionado e um
cliente apressado. Quem dera se aquela entrada imponente desse noutro lugar. E
mais adiante sentir os pés descalços no chão, o vento batendo no rosto,
sentindo a natureza ao redor. E como eu queria erguer os braços e cantarolar a
música da liberdade.
Ao meu redor,
tenho sempre muita coisa que não suporto, que não gostaria de ter. Som de mala
aberta de carro, pessoas gritando ao lado da outra, vozes da ignorância,
barulhos da estupidez, trinados da impaciência. E buzinas e mais buzinas,
palavras desnecessárias, arrogâncias, mentiras. Não sei se as pessoas sabem o
que seja ou valorizam o silêncio. Mas preciso desse silêncio para
silenciosamente dizer que me bastaria ouvir a natureza, a melodia viva da vida.
Não quero
essas flores, não gosto de flores de plástico. Não me ofereçam deuses nem
promessas. Os templos repletos de pecadores não merecem minha presença. Tenho
uma igreja viva no meu coração, tenho um oratório e o meu Deus. E
tenho uma flor do campo. Ao menos na saudade tenho uma flor do campo. E que
bela flor!
E como escrevi
certa vez num poema: Quero uma estrada. Quero uma fronteira. Não quero casa.
Quero identidade. Quero um nome. Dispenso sobrenome. Quero acreditar. Não
precisa religião. Quero toda essa precisão. É tudo que quero. Se for possível
ser feliz. E se não for querer demais.
Poeta e
cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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