Por: Rangel Alves da Costa(*)
LINHAS
TÊNUES, SUTIS, DELICADAS
Muito da vida
está por cima de linhas e fios finos, tênues, sutis, delicados. E perigosamente
se veem soprados pelos ventos sorrateiros do acaso. Quase invisíveis, quase
irreconhecíveis, mas por onde o ser humano tem de caminhar.
Tudo como um
pêndulo, como pluma oscilante, como folha morta ao sabor da aragem. Querer
ficar e querer partir, saber que ainda está, mas que já não vai existir. Quase
tudo. Quase ser e não ser, quase permanência e logo ausência. A dúvida: até
quando?
Por cima da
lâmina, na estrada do fio mais fino, toda a vida espera a sorte. Ali tem que
correr, se mexer, pular, revirar, mas sem ao menos imaginar dar um passo em
falso, perder o equilíbrio, tombar. Um passo fora do fino fio e tudo desaba.
Não há retorno nem chance. É a estrada na lâmina pela vida inteira.

O pé, o passo,
o olhar, seguem o fio sem olhar atrás, ao redor ou para qualquer outro lugar.
Nada pode dar errado nessa caminhada. O vento é ameaça, qualquer sopro coloca
em risco, a ventania seria prenúncio de destruição. Em cima o horizonte,
debaixo o abismo, toda a distância lado a lado.
Mas não há
tempo para parar, pensar, imaginar. Sempre para frente, cuidadosamente adiante,
pois a linha tênue demais não pode esperar o descanso, a atenção maior, outros
cuidados. E eis que de repente, naquela finura toda, onde somente um passo pode
atravessar, do outro lado pode surgir algo naquela direção.
Não é difícil
que surja. Mas fazer o que, então? Não há nada a fazer senão seguir adiante,
fazer de conta que nada avistou, que aquela é sua estrada e é por ela que tem
de andar, seguir sempre em frente. Não pode temer, não pode fugir do confronto,
pois se o outro tudo fará para que saia da frente, então será preciso mostrar
de quem é aquele destino.
Sempre surgirá
algo assim, visões de outros que se aproximam, vão chegando para impedir a
caminhada. Contudo, ao seguir em frente muitas vezes verá que o avistado não
passa de uma ilusão para testar a fragilidade, para ver se tem medo, recua,
cai, desfalece. Por isso mesmo que não deve temer o perigo.
Os tuaregues
não se iludem mais com miragens, pois sabem que os oásis são visões traiçoeiras
que apressam o cansaço, que levam à desesperança; os homens do deserto não
olham para trás, vez que conhecem a nuvem de areia que quer lhe cegar,
maltratar, destruir. Nos desamparos e desolações aprenderam a conviver e a
andar por cima da lâmina quente do seu mundo.
Com o homem de
outras paragens não há muita diferença. O problema é que o nômade aprendeu a
caminhar sobre brasas, a pisar no fio cortante sem ferir o pé. Falta ao homem
do asfalto, da estrada e do chão esse destemor. Conhecendo os desafios surgidos
a cada instante, e se mantendo firmes acima do fio tênue do perigo, certamente
conseguirá ultrapassar o abismo sem se ferir. Ao menos tanto.
Por isso mesmo
é preciso muito cuidado a cada passo, a cada compasso. É preciso ir além do
chão para conhecer a distância se algum dia cair. É necessário espetar o dedo
na ponta da agulha, ter a pele levemente cortada pelo fio da navalha, sentir na
pele a ranhura da finura da linha, do fio.

Será preciso
conhecer para não temer num momento de precisão. Saber que a ponta da agulha
causa tormento e dor, que a lâmina corta dolorosamente e faz sangrar, que o fio
tênue grita como lâmina por onde passa. Mas também terá mais proteção se souber
domar todos estes perigos, subir na ponta da agulha, caminhar pelo fio da
navalha, se equilibrar em cima da tênue linha.
Somente assim
talvez um dia aprenda porque o equilibrista até cantarola lá em cima. Caiu mil
vezes, levantou em igual número. E lá em cima se sente mais seguro do que as
armadilhas do chão.
(*) Meu nome é
Rangel Alves da Costa, nascido no sertão sergipano do São Francisco, no
município de Poço Redondo. Sou formado em Direito pela UFS e advogado inscrito
na OAB/SE, da qual fui membro da Comissão de Direitos Humanos. Estudei também
História na UFS e Jornalismo pela UNIT, cursos que não cheguei a concluir. Sou
autor dos eguintes livros: romances em "Ilha das Flores" e
"Evangelho Segundo a Solidão"; crônicas em "Crônicas
Sertanejas" e "O Livro das Palavras Tristes"; contos em
"Três Contos de Avoar" e "A Solidão e a Árvore e outros
contos"; poesias em "Todo Inverso", "Poesia Artesã" e
"Já Outono"; e ainda de "Estudos Para Cordel - prosa rimada
sobre a vida do cordel", "Da Arte da Sobrevivência no Sertão -
Palavras do Velho" e "Poço Redondo - Relatos Sobre o Refúgio do
Sol". Outros livros já estão prontos para publicação. Escritório do autor:
Av. Carlos Bulamarqui, nº 328, Centro, CEP 49010-660, Aracaju/SE.
Poeta e
cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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