Por: Rangel Alves da Costa(*)
DE
SOLIDÃO EM SOLIDÃO
Como adiante
será demonstrado, a solidão é terreno fértil, é campo aberto, é nuvem de voo, a
condição ideal para o encontro com significados da existência. Ao invés de ser
vista e temida como um transtorno, algo sempre indesejável, pode ser usufruída
com encantamento da alma.
Diferentemente
do que possam imaginar, solidão também se constrói, se conquista, se alicerça.
Pode ser encontrada e adotada, pode ser pensada e adquirida, pode ser desejada
e semeada. Um pé de solidão tem flor, uma árvore de solidão tem sombreado e até
saboroso fruto. A filosofia nasceu na solidão, a Sabedoria também, e
solitariamente continua existindo.
Uma solidão
repentinamente surgida pode ser fruída de tal modo que será convidada a voltar.
E assim porque nunca se mostra a monstruosidade tão apregoada, não deixa marcas
dolorosas no ser, não provoca nenhum transtorno ao visitado. Pelo contrário,
sente-se como se surgisse ao seu redor e dentro de si a força de uma grande e
silenciosa amiga.
Assim, bastou
essa primeira solidão para outras serem tão aspiradas. E por serem esperadas
não provocarão os sintomas temidos por muitos. Aliás, nunca há que temê-la,
nunca há de vivenciá-la como indisposição para a existência e determinação
apenas para distanciamento dos outros, recolhimento ao casulo da inércia
espiritual.
Por ser
construtiva, meio de reflexão e de reencontro espiritual, a solidão vai se
tornando costumeira e muitas vezes até autossugestionada como forma de
dimensionamento da pessoa perante o seu mundo. E nesse passo, de solidão em solidão,
vão surgindo as lições, os aprendizados e as ideias que somente o silêncio da
alma permite.
Desse modo, de
solidão em solidão se verá que este tipo de isolamento ou distanciamento não é
um estado espiritual e psicológico tão desprezível assim. Há, em todo caso, o
encontro do solitário consigo mesmo; a compreensão do imenso vazio que precisa
ser preenchido; a reflexão tão necessária ao reencontro.
De solidão em
solidão se verá a grande lição da sabedoria popular dizendo ser melhor andar
sozinho do que mal acompanhado. E não só andar sozinho, mas também estar
sozinho, caminhar sozinho, poder seguir destino e caminho sem indevidas e
abusivas interferências. Prefere a solidão ou a má companhia?
De solidão em
solidão se aprende que os conceitos que lhe são próprios são também formas
poéticas de situar-se na vida. Assim, isolamento é optar por ser
momentaneamente ilha; solitude é buscar a voz interior para o diálogo há muito
desejado; distância é a fronteira entre o mundo lá fora e o mundo ao redor. E nos
olhos do solitário há uma infinita estrada.
De solidão em
solidão se defronta, sem necessariamente mergulhar sem retorno, com sentimentos
que os outros do meio da rua, do meio do mundo, não têm tempo de encontrar. Daí
acariciar a recordação, abraçar a lembrança, beijar a imaginação, afagar o
pensamento.
De solidão em
solidão o caderno de poesia vai transbordando de amor, o diário vai ganhando revelações e
segredos que jamais imaginou, a tela vai se enchendo de paisagem tão bela
quanto o próprio artista. O livro nasce na solidão, a trama e os personagens
são frutos da solidão. E tantas vezes a solidão é a própria história.
De solidão em
solidão se aprende a distinção entre voz e silêncio, entre barulho e murmúrio,
entre um chamado e um silencioso aceno. É no seu momento maior, naquele
instante em onde a pessoa é mais solidão do que a si mesma, que surge no ser a
certeza de nada poder ser mais forte que a força mental e espiritual. Que as
dores do mundo gritem lá fora!
De solidão em
solidão é que se aprende as linhas de sua bula. Solidão é chamado à vida, não à
morte. Do oitavo andar caminha-se pela nuvem, jamais o salto para estilhaçar a
fraqueza humana, pois após fechar a janela o verdadeiro solitário vai abrir a
porta. Da vida.
(*) Meu nome é
Rangel Alves da Costa, nascido no sertão sergipano do São Francisco, no
município de Poço Redondo. Sou formado em Direito pela UFS e advogado inscrito
na OAB/SE, da qual fui membro da Comissão de Direitos Humanos. Estudei também
História na UFS e Jornalismo pela UNIT, cursos que não cheguei a concluir. Sou
autor dos eguintes livros: romances em "Ilha das Flores" e
"Evangelho Segundo a Solidão"; crônicas em "Crônicas
Sertanejas" e "O Livro das Palavras Tristes"; contos em
"Três Contos de Avoar" e "A Solidão e a Árvore e outros
contos"; poesias em "Todo Inverso", "Poesia Artesã" e
"Já Outono"; e ainda de "Estudos Para Cordel - prosa rimada
sobre a vida do cordel", "Da Arte da Sobrevivência no Sertão -
Palavras do Velho" e "Poço Redondo - Relatos Sobre o Refúgio do
Sol". Outros livros já estão prontos para publicação. Escritório do autor:
Av. Carlos Bulamarqui, nº 328, Centro, CEP 49010-660, Aracaju/SE.
Poeta e
cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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