Por: José Romero Araújo Cardoso(*)
Manhã de onze de setembro de 1973.
Santiago, capital chilena, amanhecia sob tênue chuva. O Presidente Salvador
Allende adentrava o Palácio La Moneda, intuindo cumprir suas obrigações como
chefe do executivo nacional.
No entanto, o Presidente
Constitucional Chileno não sabia que o Ministro da Defesa e a cúpula da
Segurança Nacional haviam fomentado articulação, há tempos imemoriais, com a
CIA, visando depô-lo. Corajoso e determinado, o médico e maçon que pensara em
uma transição pacífica para o socialismo tinha mexido com interesses graúdos de
grandes empresas transnacionais do ramo de mineração, sobretudo as que atuavam
na exploração das riquíssimas reservas de cobre localizadas ao norte do País. Além disso, passou as minas de carvão e os
serviços de telefonia para o controle do Estado, aumentou a intervenção nos
bancos e fez a reforma agrária, desapropriando grandes extensões de terras
improdutivas e entregando-as aos camponeses.
Salvador Allende conseguira no
Congresso, apoiado na coalizão formada pela esquerda e partidos progressistas
chilenos, denominada de Unidade Popular, anos antes, a nacionalização de
verdadeiros impérios empresariais norte-americanos. O Chile tornara-se, ao lado
de Cuba, um dos paraísos daqueles idealistas que acreditavam em novos rumos
para a América Latina subjugada pelo imperialismo ianque.
A aproximação com a ilha insurrecta
era tão proeminente que Fidel Castro chegou a passar meses no Chile, pois
encantado com a experiência desencadeada neste País sul-americano, tomou-o como
referência para a região, enquanto sinônimo de luta pela liberdade.
O ódio imperialista demonstrou toda
sua intensidade quando o General Augusto Pinochet ordenou que suas tropas
marchassem sobre o Palácio Presidencial. Aviões norte-americanos apoiaram o
avanço militar quando da deflagração daquele que se tornaria um dos mais
sangrentos golpes de estado já consolidado em toda a América Latina.
Tímida comparação encontra-se na
violenta deposição do governo Arbenz, na década de cinqüenta, na Guatemala. Na
relação dos que seriam fuzilados encontrava-se Ernesto Guevara de La Serna,
mais tarde imortalizado pelo apelido de “Che”.
Allende resistiu bravamente,
empunhando fuzil presenteado por Fidel quando da histórica visita ao Chile. No
entanto, a desigual disponibilidade de homens e armas o fez tombar sem vida.
O Chile, em razão dos ares
pretensamente libertários, imortalizado no imaginário lúdico de centenas de
guerrilheiros latino-americanos, expulsos ou fugidos dos seus países, era tido
como porto seguro pela esquerda radical. Inúmeros militantes da luta armada no
Brasil, como Fernando Gabeira, trocado pelo embaixador suíço quando do
seqüestro e negociação efetivados pelo grupo liderado pelo Capitão Lamarca,
buscaram refúgio no Chile de Allende.
A chacina nas ruas de Santiago marcou
consideravelmente o advento da extrema truculência dos militares chilenos que
depuseram o presidente eleito pelo povo. Pessoas ligadas ao governo que estava
sendo deposto, bem como os esquerdistas que buscaram exílio no Chile, foram
literalmente caçados, assassinados friamente, torturados, aterrorizados pela
violência inaudita que se instalou na “ilha de esperança” do Cone Sul.
Os EUA transmitiram ordens incisivas
para que as Embaixadas dos “Países Aliados” fechassem as portas para os seres humanos
que estavam sendo massacrados no Chile. A Suécia desobedeceu as instruções
vindas de Washington e transformou seu espaço de representação diplomática em
tábua de salvação para inúmeros perseguidos.
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Se não fosse a ousadia e o humanismo
do primeiro-ministro Olaf Palm, um dos mentores do Welfare State (Estado do bem
estar Social) a criminosa caçada no Chile teria tomado proporções ainda mais
perversa e devastadora. Muitos que foram perseguidos e conseguiram asilo na
Embaixada Sueca choraram quando do assassinato do grande político daquele País
Nórdico. Exilado na Suécia, Fernando Gabeira, um dos idealizadores do seqüestro
do Embaixador Norte-Americano Charles Elbrick, salvou-se graças à decisão de
Palm em abrigar o máximo de pessoas possível na Embaixada Sueca.
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O Estádio Nacional, palco de
históricas partidas de futebol, com destaque às disputadas na copa de 1962, foi
transformado em campo de concentração para centenas de pessoas aprisionadas
pelos militares rebelados contra o governo Allende.
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A ordem era
não expressar sentimentos ou brados de revolta, mas o cantor e compositor
Victor Jara desobedeceu-a, sendo vítima da ira ensandecida dos golpistas.
Assassinaram-no com requintes de perversidade.
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Victor Jara
era a maior expressão da música de protesto no Chile, considerado o Chico
Buarque daquele país sul-americano. As canções que compôs ou interpretou
destacaram-se pelo engajamento político e posicionamento em prol dos oprimidos.
A antológica homenagem ao Comandante “Che” Guevara tem letra de Victor Jara (Aprendimos
a quererte, desde la histórica altura, donde el sol de tu bravura,le puso cerco a la muerte. Aquí se queda la clara, la entrañable transparencia, de tu querida presencia, Comandante Che Guevara. ).
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Personalidades
respeitadas no mundo cultural, como o poeta Pablo Neruda, empreenderam fuga
desesperada, atravessando a Cordilheira dos Andes. A residência do consagrado
poeta chileno foi profanada pelos militares tresloucados com as ordens
recebidas dos superiores, cujo destaque estava na efetiva inserção do Chile na
execrável “Operação Condor”.
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Violeta Parra,
grande nome da música chilena, cuja obra-prima encontra-se em “Gracias a La
vida”, mesmo falecida em cinco de fevereiro de 1967, teve suas canções
proibidas, pois sinônimo de luta contra a opressão era vista como símbolo das
batalhas contra a exploração que tanto marcou o governo Allende.
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Mesmo longe, depois da consolidação
do sangrento golpe de Estado, pessoas ligadas ao governo deposto foram
assassinadas. Exemplo disso encontra-se na morte trágica de Orlando Letelier,
nos EUA, juntamente com sua assistente, Ronni Muffet, em Washington, D.C. por
agentes secretos da DINA (Dirección de Inteligencia Nacional), a polícia
política do regime militar chileno.
Victor Jara
Em onze de
setembro de 1973 o terror tomou conta do Chile, pois a violência tornou-se
marca indelével da ação dos militares que, agindo assim, assumiram compromisso
irrevogável com o neoliberalismo e com a idéia de dominação veiculada pela
ideologia americana com relação à América Latina.
José Romero
Araújo Cardoso. Geógrafo. Professor-adjunto da UERN.
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