segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

Ariano Suassuna e o movimento armorial


Por: José Romero Cardoso(*)
          
Armorial era o baú onde as antigas nobrezas guardavam os títulos nobiliárquicos, como os de barão, de conde, de duque, de marquês, etc., cuja marca impressionava a todos pelo orgulho que os nobres demonstravam de acordo com a escala hierárquica de cada posição social.
          
Ariano Suassuna incorporou ao movimento do qual é o principal representante apelo para que indisfarçável sugestão de exemplo fosse articulado aos valores dos estamentos superiores da sociedade sertaneja agropastoril.
          
O movimento armorial através da produção literária de Ariano Suassuna intercala extraordinariamente ficção com a realidade, através da ênfase a personagens reais que tiveram destaque em uma época, distribuindo entre estes títulos de nobreza que demonstram nítido vínculo com interesses e valores das oligarquias sertanejas.
          
A defesa intransigente da cultura popular parece estar vinculada à necessidade de justificativa do modus vivendi de classe beneficiada pela forma como foram sendo definidas as estruturas de poder elaboradas de acordo com a manipulação da construção social sertaneja, tendo em vista que a contínua divulgação da ênfase à monarquia no semiárido tem como ponto catalisador as formas originais criadas pelo povo simples do sertão, cujas bases foram aproveitadas e estimuladas pela classe dominante.
          
Princesa e seu movimento insurrecto, deflagrado em 1930, é fato histórico profusamente presente e defendido na literatura armorial, pois Ariano Suassuna apresenta seus personagens dentro de esquema maniqueista no qual a luta do bem contra o mal, verificada em diversas produções cordelistas do passado, possui notório apelo à uma vitória imaginária das elites sertanejas e dos seus valores e interesses, apresentado-as como personificação da real essência de um povo, o qual deve necessariamente segurar-se ao fio condutor definido através do discurso veiculado pelos “legítimos” representantes de toda sociedade, no caso a voz “irrepreensível” dos oligarcas.
          
Não é a toa que Ariano Suassuna nunca se refere à capital paraibana pelo oficial topônimo e sim como a velha Parahyba dos tempos de João Urbano de Vasconcelos Suassuna na presidência do Estado.  João pessoa, para Ariano Suassuna, soa como o profanador do “caminho natural” seguido pelo monarca e seus nobres seguidores. Na verdade, parece que o rei degolado nas caatingas do sertão é inspirado em João Suassuna.
          
N´O Romance da Pedra do Reino, Ariano Suassuna destaca a simbiose da cultura popular com a estrutura da nobreza sertaneja. Luiz do Triângulo, célebre facínora da ribeira do Pajeú, incorporado ao exército de Zé Pereira, foi agraciado por Ariano Suassuna com a fidalguia como reconhecimento pelo esforço na guerra de Princesa quando, ao lado de Pedro Rodrigues, vulgo “Lindu”, comandou grupo de resgate enviado pelo “Coronel” José Pereira Lima, o nobre Dom José I destacado em suas obras, a fim de libertar os Dantas Villar das garras sanguinárias do Tenente Ascendino Feitosa, representante do “maléfico” governo João Pessoa.  
          
Invocando as Pedras do Reino que circundam Taperoá, Teixeira, Princesa, etc., Ariano Suassuna clama para que “libertemos” personagens nobres e os seus valores, os quais ali estão presos, precisando ser desengrimpado das rochas, assim como houve na influência Sebastianista de 1836 em Pernambuco.  Nas pedras do reino estão, entre inúmeros outros, os “Coronéis” Jueca Villar, Franklin Dantas, José Pereira e, o maior de todos, o monarca do sertão, João Urbano de Vasconcelos Suassuna.
          
Na verdade poucos sabem do que houve na Paraíba antes do governo João Pessoa moralizar o Estado. Havia verdadeiro saque dos cofres públicos, um complô diabólico que envolvia os representantes máximos da elite sertaneja com empreiteiras norte-americanas que foram contratadas pelos oligarcas para construir açudes que nunca foram construídos, bem como portos fantasmas que nunca saíram do papel. Os personagens agraciados com títulos de nobreza pelo movimento armorial chegaram a enviar fotografais do porto de Recife, como sendo as do paraibano que Epitácio Pessoa sonhou em estruturar com dinheiro conseguido com as exportações impressionantes de bens primários que marcaram o término da primeira guerra mundial, direcionadas, sobretudo, para a Europa, via Bolsa de Valores de Nova York, onde eram negociados os Commodities.
          
Desiludido com o embuste, com o engodo do qual foi vítima, de parte de suas bases de sustentação política, no caso as oligarquias sertanejas que são alçadas ao grau máximo da perfeição pelo movimento armorial, Epitácio Pessoa indicou o sobrinho João Pessoa para governar a Paraíba, pois este se destacou no Supremo tribunal Militar pela forma intransigente de agir e punir.
          
Minha opinião é que a essência do movimento armorial capitaneado pela produção literária de Ariano Suassuna é tendenciosa, parcial e voltada para a justificativa de interesses de classes, dos valores das oligarquias das quais faz parte, fomentando alienação em razão de mostrar-se nitidamente articulada aos projetos históricos elaborados pelos donos do poder na hinterlândia.

(*) José Romero Araújo Cardoso. Geógrafo. Professor da UERN.

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