Por: Rangel Alves da Costa(*)
UMA
RUA ESCURA
A rua agora está completamente
silenciosa e escura.
Depois do anoitecer começou a
cair uma chuva fininha e constante, afastando ainda mais as pessoas da via, das
calçadas e das janelas.
Mas depois das oito horas a chuva
cessou e ficou somente a luz da lua se derramando sobre o piso molhado. Não era
asfalto, apenas um cimento grosso se estendendo de lado a outro.
Até que a distribuição dos postes
eram regulares, sendo três ali no trecho. Mas há muito que nenhuma lâmpada
acendia ao cair da noite. E parecia que também ninguém se importava com a
escuridão.
Quando a noite se firmava no
passo das horas então tudo ficava misteriosamente silencioso e escuro. Somente
a luz lá de cima para delimitar as casas, as calçadas, as árvores plantadas ali
ou acolá.

Muita gente
morava ali. Ao amanhecer, as portas e janelas se abriam e o povo começava a
sair e a entrar de suas moradias. Tudo era muito normal, com a mesma
movimentação de uma rua qualquer.
Mas era um
povo que não sentava nas calçadas ao entardecer, não visitava vizinho, não
batia numa porta para dar uma notícia nem para qualquer prosa. Parecia uma
gente que se desconhecia completamente.
Quando a noite
começava a cair e as portas eram fechadas, então era que tudo parecia deserto,
tudo aparecia desabitado, silenciosamente abandonado.
Um ou outro
passava caminhando; alguém entrava numa porta, ou saía. Luzes eram acesas,
lâmpadas eram apagadas. Numa janela em especial a luz era fraquinha,
tremulando, como se alguém lá dentro se contentasse com a chama de uma vela ou
um candeeiro.
Isto era
percebido pelas vidraças nas janelas. Muitas possuíam cortinas, mas algumas
mantinham apenas a vidraça nua ou com um leve revestimento por dentro, de modo
a impedir a visão do interior.
E no restante
o silêncio profundo e aflitivo, como se ali não morasse criança, não houvesse o
barulhar próprio de cada casa, ninguém ouvisse uma música com som um pouco mais
alto.
Era muito mais
fácil ouvir o miado dos gatos nos telhados e o pio agourento das corujas
escondidas pelos quintais, do que mesmo voz ou grito de gente. Isso só
acontecia quando a louca ainda morava ali. Em noites de lua cheia era o
sofrimento terrível.
Um dia ela
simplesmente sumiu, desapareceu. Nenhum parente falou se havia morrido ou
lavada para outro lugar. Verdade é que ninguém mais ouviu o som daquela aflição
enluarada.
Neste momento
a rua está mais silenciosa ainda. Depois que chove é sempre assim, ainda mais
lúgubre, mais soturna, mais esquecida de existência. Apenas a lua de pouca luz
passeando por cima, melancolicamente se derramando sobre esse mundo de
desalento.
Mas este
cenário não é de todo assustador, não é algo que espante o olhar de muitos. Não
deixa de ser poético, romanticamente triste, visão capaz de despertar múltiplos
sentimentos.
Não é difícil
que lágrimas escorram de olhos que se comprimem junto às vidraças embaçadas.
Não é difícil que olhares espreitem a vida lá fora cheios de saudades, de
recordações amorosas, de lembranças que doem.
São as dores,
os amores e os sentimentos que afloram dentro das casas, atrás das portas e
janelas, e tendo como motivação apenas aquela rua com o seu silêncio e a sua
solidão.
A rua está
escura e vai ficando ainda mais. A lua sumiu; as nuvens encobriram o céu. A
chuva está voltando a cair. Logo se verá no piso molhado apenas a réstia da
noite. Correndo, escorrendo. Como faz no rosto, na face, descendo dos olhos...
(*) Meu nome é
Rangel Alves da Costa, nascido no sertão sergipano do São Francisco, no
município de Poço Redondo. Sou formado em Direito pela UFS e advogado inscrito
na OAB/SE, da qual fui membro da Comissão de Direitos Humanos. Estudei também
História na UFS e Jornalismo pela UNIT, cursos que não cheguei a concluir. Sou
autor dos eguintes livros: romances em "Ilha das Flores" e
"Evangelho Segundo a Solidão"; crônicas em "Crônicas
Sertanejas" e "O Livro das Palavras Tristes"; contos em
"Três Contos de Avoar" e "A Solidão e a Árvore e outros
contos"; poesias em "Todo Inverso", "Poesia Artesã" e
"Já Outono"; e ainda de "Estudos Para Cordel - prosa rimada
sobre a vida do cordel", "Da Arte da Sobrevivência no Sertão -
Palavras do Velho" e "Poço Redondo - Relatos Sobre o Refúgio do
Sol". Outros livros já estão prontos para publicação. Escritório do autor:
Av. Carlos Bulamarqui, nº 328, Centro, CEP 49010-660, Aracaju/SE.
Poeta e
cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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