Por: Rangel Alves da Costa(*)
SEM
ADEUS NEM BILHETE
Não vou negar.
Tomei susto sim, fiquei espantado, sem entender nada. Quis espernear, quis
chorar, quis até ir atrás. Mas depois resolvi deixar assim mesmo.
Não dei
motivos, não maltratei, nada fiz para ser assim. Pelo contrário, tudo foi feito
para ser exatamente diferente do que acabou acontecendo, numa partida sem razão
ou explicação.
Deitei ao seu
lado, conversei, sussurrei, murmurei, abracei, beijei, amei. Prometi além do
que sabia ser possível realizar, e mesmo porque já a havia presenteado com o
inimaginável pra qualquer um. Terá sido o meu erro?

Adormeci
feliz, deitado juntinho do corpo, sentindo sua pele na minha, e até sonhei
sonho bom demais de acontecer qualquer dia. Mas quando acordei, passei o braço
ao redor, abri o olho e nada encontrei. Achei estranho demais.
Gritei pelo
nome, pois podia estar na cozinha, no banheiro, na sala. Repeti o chamado
muitas vezes e nenhuma resposta. Intrigado, resolvi levantar e ir procurá-la. E
ao avistar a porta aberta pensei poder encontrá-la recebendo o ar refrescante
do alvorecer.
Saí porta
afora, andei de canto a outro e nada de avistá-la. Chamei novamente o seu nome,
gritei. Já estava preocupado demais. Voltei correndo para me certificar
se era verdade o que a intuição já havia concebido.
Abri armários,
os pacotes e caixas dos presentes dados, procurei a mala e a frasqueira. As
roupas não estavam ali, tantas outras coisas também não, e da mala nem sinal.
Levou tudo, calçados, perfumes, batons, bijuterias, o que fosse de uso próprio.
E não tive mais dúvida.
Não havia
outra certeza: sem adeus nem bilhete, sem uma palavra sequer, ela havia fugido
de casa, me abandonado, me deixado sozinho. Foi por isso que desesperei, que a
lágrima quis cair, que fiquei sem saber o que fazer.
Coisa de
ingratidão, só pode ter sido. Outra coisa que não, e não porque somente quem
não reconhece todo o bem que lhe foi dedicadamente feito pode agir assim. Teve
tudo na vida e agradeceu desprezando quem tanto sofreu para que nada lhe
faltasse.
Os ingratos
agem assim, um dia ouvi dizer. Aceita tudo, porém não reconhece nem valoriza
nada; usa e depois esquece o bem recebido, e muito mais a pessoa que doou; não
demonstra resultado algum, como um justo agradecimento, que compense o esforço
empregado pelo outro.
Fui vítima de
ingratidão, não há que pensar diferente. E de abandono, desprezo, desamparo,
renúncia, desalento também. Fui vítima de tudo de ruim que uma mulher pode
impingir num homem que lhe amava tanto, que tudo fez para que se sentisse
adorada.
É difícil
lembrar, mas vou dizer. Certa feita, bem no meio da noite – e sem estar grávida
nem nada – disse que queria de qualquer jeito um raio de sol entrando pela
janela. Tive que arranjar um espelho, nele refletir luz de lanterna, de modo
que o reflexo fosse cair bem pertinho do travesseiro.
Como não
queria perfume de alfazema ou lavanda de feira, dizendo ser coisa de pobre, só
aceitava frascos que lhe chegassem às mãos com nomes estrangeiros. Então eu
comprava os frascos vazios de uma solteirona e neles derramava as alfazemas e
lavandas. E tinha o maior receio que ela percebesse a troca.
Dei um sapato
florido e ela resolveu que queria um vestido com o mesmo floreamento, tudo se
combinando. Virei feira e comércio até encontrar tecido igualzinho. Assim que
entreguei roupa e sapato iguais, ao se olhar no espelho disse com ar de dengo
que estava lindo, mas que ficaria perfeito se eu encontrasse uma bolsa com o
mesmo floreio. Tive que comprar tecido pra mandar fazer a tal bolsa. E depois
um diadema e um lenço. Tudo parecendo um jardim.
Comprei colar
e pulseira, batom e uma vitrola novinha; pintei o quarto de rosa e cada
aposento de outra cor; um imenso espelho e uma fotografia emoldurada com o seu
sorriso. E nem o retrato ela deixou. E gostava tanto de vê-la sorrindo na
parede.

Havia
prometido dar um presente totalmente diferente, uma coisa que confirmasse nosso
amor para sempre. Ela queria uma empregada, alguém que ficasse o dia inteiro
cumprindo suas ordens, atendendo os seus mimos. Mas eu disse que agora não.
Primeiro ia
comprar um fogão de duas bocas, uma pia de lavar pano e umas panelas novas. Não
sei por que, mas quando soube disso ela ficou sorrindo. Queria fazê-la
verdadeira dona de casa, lavando, passando e cozinhando. Uma mulher
trabalhadora.
Mas não sei
por que ela partiu assim, resolveu ir embora sem uma palavra, sem dizer adeus,
sem deixar bilhete...
(*) Meu nome é
Rangel Alves da Costa, nascido no sertão sergipano do São Francisco, no
município de Poço Redondo. Sou formado em Direito pela UFS e advogado inscrito
na OAB/SE, da qual fui membro da Comissão de Direitos Humanos. Estudei também
História na UFS e Jornalismo pela UNIT, cursos que não cheguei a concluir. Sou
autor dos eguintes livros: romances em "Ilha das Flores" e
"Evangelho Segundo a Solidão"; crônicas em "Crônicas
Sertanejas" e "O Livro das Palavras Tristes"; contos em
"Três Contos de Avoar" e "A Solidão e a Árvore e outros
contos"; poesias em "Todo Inverso", "Poesia Artesã" e
"Já Outono"; e ainda de "Estudos Para Cordel - prosa rimada
sobre a vida do cordel", "Da Arte da Sobrevivência no Sertão -
Palavras do Velho" e "Poço Redondo - Relatos Sobre o Refúgio do
Sol". Outros livros já estão prontos para publicação. Escritório do autor:
Av. Carlos Bulamarqui, nº 328, Centro, CEP 49010-660, Aracaju/SE.
Poeta e
cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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