Por: Paulo Araújo

Participação de Rostand Medeiros
Observe bem esta fotografia, nos
seus mais pequenos detalhes. Ela foi feita há duas semanas na comunidade rural
de Negros dos Riachos, no município de Currais Novos, região do Seridó
potiguar. O local, como o nome sugere, é formado por remanescentes de um quilombo,
da mesma forma que muitos outros espalhados pelo Brasil.
Na imagem, a professora Marcia
Carla se prepara – com toda a emoção que o momento provoca – para se
despedir definitivamente das seis crianças, depois do convívio de alguns anos
na escola local. O sorriso da professora substitui um choro evidente, quase
audível, encoberto pelas lentes dos óculos.
Estes seis pequenos
brasileirinhos, excluídos do que possa haver de mais básico ao ser humano –
como roupas, por exemplo –, estão cumprindo uma rotina diária bem diferente
daquela a que teriam direito se a riqueza da 6ª maior economia do planeta fosse
distribuída de forma justa por meio de políticas públicas que realmente
fizessem o Brasil ir para frente.
Flagelados da seca de 1877 a 1879
Depois de parar e posar para a
foto, eles vão caminhar alguns quilômetros e transportar na cabeça, em galões
de zinco, alguns litros de água para tomar um banho. Quem conhece, sabe como
pesa um galão de água deste tamanho na cabeça. A cisterna, reservatório de água
que aparece atrás do grupo, está vazia por causa da seca que castiga o Nordeste
brasileiro de forma tão inclemente como não se tinha registro nos últimos 85
anos. Comprar água de um carro-pipa para abastecê-lo é impossível.
No alcance da lente do fotógrafo,
só o cinza da paisagem, interrompida aqui e ali pelo verde tímido da algaroba.
O chão está seco, esturricado. A poeira transportada pelo vento cola na pele,
nos cabelos, nas roupas e deixa os personagens com uma maquiagem natural de
terra. A única luz da fotografia vem do sol de fim de tarde no sertão,
lambendo-lhes o lado esquerdo do rosto.
Nos braços da professora Márcia,
o menor do grupo. Quantos anos terá? O que lhe reserva o futuro? Os outros
cinco, que formam uma espécie de escadinha demográfica da casa, sorriem para
nós, pois neles a inocência e a falta de consciência das coisas, natural para a
idade, ainda não lhes despertou para a realidade a que estão submetidos. São
felizes, ponto final.

Jornal natalense A República,
edição de 6 de agosto de 1915.
Quase todo o Brasil cabe nesta
foto. Ela nos cobre de vergonha da cabeça aos pés e surge diante de nós para
refutar, sem direito a argumento contrário, qualquer idéia de país rico, líder
de um bloco econômico chamado Bric, e que vai sediar uma Copa do Mundo em 2014
e uma Olimpíada em 2016. Que triste e desigual país é este? Por que ainda somos
tão pobres e temos tantos problemas em encarar esse fato? Conviveremos até
quando com esta imagem?
Este é o pedaço do Brasil onde
nunca chegará a água da Transposição do Rio São Francisco, a jóia da coroa do
PAC I, por onde já escorreram mais de 8 bilhões de reais. O que há no projeto
criado por Lula – ele próprio a encarnação do brasileiro que fugiu de uma
fotografia como esta e tornou-se o presidente mais popular do Brasil – são
canais vazios formados por placas rachadas no solo seco entre a Bahia e
Pernambuco.
Este é o pedaço do Brasil onde, a
cada dois anos, a rodovia muito próxima desta casa onde moram estas seis
crianças são rasgadas por LandRovers transportando pessoas que chegam,
desembarcam, dão abraços, beijos, posam para fotografias, fazem promessas de
melhoras e somem no rastro da poeira – para voltar, de novo, dois anos depois.
Fora a isso, eles só são assistidos por pessoas como a professora Márcia. Por isso
o choro travestido de sorriso na hora da despedida.

Edição de 26 de março de 1942, no
Jornal do Commércio, de Recife, Pernambuco.
Daqui a cem anos, quando não
estivermos mais aqui, é bem provável que esta cena possa ser repetida para
outro fotógrafo de forma absolutamente igual em pose, gestos, contexto e
geografia. Também por outras professoras Márcias que vão lá, tentam mudar uma
realidade tão difícil por meio do conhecimento. E também por outras crianças, e
outras cisternas vazias, e outros galões, e outras terras ressequidas, e outras
nudezes.
Texto - Paulo Araújo
Fonte
- http://www.thaisagalvao.com.br/
P.S. – PESQUEI O TEXTO DO
JORNALISTA PAULO ARAÚJO NO BLOG DA THAISA GALVÃO E ACRESCENTEI ALGUMAS NOTÍCIAS
DE ANTIGOS JORNAIS DE NATAL
Extraído do blog Tok de História do historiógrafo
Rostand Medeiros
http://tokdehistoria.wordpress.com/
Extraído do blog Tok de História do historiógrafo
Rostand Medeiros
http://tokdehistoria.wordpress.com/
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http://blogdomendesemendes.blogspot.com
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