Por: Rangel Alves da Costa(*)
QUANDO A
DONZELA SONHOU GALOPANDO NUA NUM CAVALO ALAZÃO (E O BICHO FOGOSO QUE SÓ)
Essa história
quem me contou foi Tição Loroteiro, o maior contador de causos duvidosos de
toda a região sertaneja, lugar onde orgulhosamente nasci para cumprir minha
encantada sina de nordestino. Igualmente a doido, em todo lugar há de ter um
loroteiro de marca maior. E o de lá era Tição.
Contudo, mesmo
antes de o cabra me relatar esse causo, eu já tinha ouvido a mesma narrativa,
só que com outras nuances e vertentes, da boca menos suspeita de outras
pessoas. Na verdade, é um causo que remonta aos tempos de antigamente, mas que
se renova pela própria essência daquilo que serve como pano de fundo: a
inocente donzela que se vê no viramundo.
Pelo que pude
conhecer, chamam de viramundo o que é totalmente impensado, aquilo que
inesperadamente acontece e que, mesmo sendo dito com a maior seriedade do
mundo, ainda é custoso acreditar. Pois o que aconteceu com a inocente donzela
foi uma viramundice assim: sem jamais mostrar suas vergonhas a homem nenhum, de
repente se viu pelada em cima de um alazão. E cavalo fogoso demais!

Já foi motivo
de cordéis pendurados nos barbantes pelas feiras interioranas, de cantorias e
pelejas de repentistas. Contudo, cada um acrescentando uma coisinha ou outra na
trama. Tenho comigo um livreto intitulado “As peripécias da donzela no mundo do
viramundo – ou o galope da inocente no cavalo requebrante”.
Mas a história
que ouvi de Tição Loroteiro – e que segundo ele era a mais verdadeira de todas,
sem mudar um tiquinho sequer - veio consignada com o título acima: “Quando a
donzela sonhou galopando nua num cavalo alazão (e o bicho fogoso que só)”. Sem
diminuir nem acrescentar - até mesmo porque gravei - repasso agora as palavras
do homem:
“O nome dela
era Lisbela a mais bela das donzelas que no sertão existiu. Noutro canto nunca
se viu, perfeição de fio a pavio. Na boniteza não tinha igual, uma fruta de
quintal, tão doce e apetitosa, do jardim a bela rosa.
Mocinha na
flor da idade, de pura inocência e nenhuma maldade. Falando com sinceridade,
nunca beijou numa boca, nada de fazer coisa louca, o véu da honra era sua
touca. Mas quem avistava a menina dizia ser ela a sina, paixão que se desatina,
que atropela e malina, fazendo coração apaixonado cair no chão despedaçado.
O que a
donzela fazia era ficar na janela vendo a tarde passar. E também a imaginar que
um príncipe encantado na nuvem seria avistado, para ir se aproximando, num
cavalo galopando até chegar junto dela, e dizer venha bela donzela que sua
estrada é aquela.
Todo dia era
isso, na janela o rebuliço no pensamento da mocinha. Sentindo-se demais
sozinha, sonhava em sair dali, no cavalo alazão subir e com o príncipe partir.
E no palácio encantado, ele tão enamorado faria dela a princesa e seu maior
reinado.
Iniciou com
alegria, mas vai dia e vem dia, o que era fantasia foi se transformando em agonia.
Queria porque queria que o príncipe decidisse, viesse logo e partisse levando
consigo a meiguice, a mocinha na florice.
Começou a
entristecer, vivendo a padecer, esperando o encantado. Olhava pra todo lado, o
peito tão apertado, deu pra chorar um bocado. Só pensava no rapaz e já não
vivia mais sem seu pensamento ir atrás.
Deitava e
sonhava esquisito, ora ela sorridente, ora soltando um grito. Mas não era de
espanto, mas muito mais de encanto, com o que começou a sonhar. Da nuvem descia
o alazão, dizendo não chore não que sou sua salvação.
Mandou ela
levantar, toda a roupa retirar, toda pelada ficar. E depois subir no pelo, pois
ele com todo zelo ia fazer viagem, na nuvem pedir passagem até o castelo
chegar. Lá esperava o moço, tomado de alvoroço e louco para beijar.

E a donzela
acreditou. Quando o cavalo abaixou, ela subiu tão ligeiro que o mundo se
espantou. Sabia que o alazão era falso, e que seguindo no encalço ela estava
sem saída. Se moça virava perdida, se donzela transgredida.
Mas assim que
ela subiu seu corpo logo sentiu uma coisa diferente. Por baixo estava tão
quente, como algo que pressente não haver galope igual. E coisa de modo tal que
ela sorria e cantava, se tremia e tresloucava, pedindo pra galopar.
Foi logo
sumindo no ar, num distante cavalgar, que ninguém sabe onde foi dar. Mas um dia
ela desceu de aliança na mão e beijando o alazão. Ainda estava pelada, mas
ninguém disse mais nada. O mundo deu uma trégua, pois nela via uma égua”.
Foi assim que
ouvi. E assim contei.
Poeta e
cronista
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