Por: Rangel Alves da Costa(*)
O
HOMEM NAS ENTRELINHAS
O homem é um
ser essencialmente de entrelinhas. Por mais que não se retorça na corda bamba,
que seus passos procurem os melhores caminhos, que diga de sua honradez acima
de tudo, que se orgulhe de ser reconhecidamente honesto, nada disso pode ser
visto como verdade absoluta. A seu respeito prevalecem as entrelinhas.
Mas por que
afirmar ser o homem envolto de entrelinhas em tudo que faz? Urge então
percorrer os conceitos. Entrelinha é o que está entre duas linhas, é o espaço
entre escritos. Tanto o que está em cima como em baixo faz parte de um só
contexto, diferente do propositalmente inserido ao meio. Neste sentido, viver
na entrelinha seria criar, de modo sutil e ardilosamente, uma terceira escrita
diante das duas existentes. Só que esta com interesse pessoal.
Do mesmo modo,
viver na entrelinha significa ser outra coisa com base no já existente; ser
implicitamente diante daquilo que se mostra explícito. Por outras palavras, é a
realidade existente além da aparência, é o que sempre se esconde por detrás
daquilo que lhe dá proveito. Os outros pensam que é uma coisa, quando na
verdade é totalmente diferente.
Assim, viver
nas entrelinhas é agir de modo sutil, disfarçado, astucioso, assim como a
serpente que se mostra adormecida antes de dar o bote, como as águas mansas que
carregam caldeirões perigosos mais abaixo, como a flor bela que se mostra à
beira do precipício. Nas entrelinhas a vida sempre tem duas feições; e uma, a
que nunca se mostra, com tantas faces que o homem precise ter para fazer valer
seus instintos.
Diante dos
conceitos e exemplos, tem-se, pois, que nada do que o homem faça, pense, diga
ou imagine, deixa de estar entremeado de entrelinhas. Faz, mas nem tanto, ou
faz mais do que diz; pensa um tanto diferente do que realmente deveria pensar;
diz aquilo que nem todos acreditam; imagina a pureza que tem no verso o pecado.
E assim vai seguindo adiante se esquivando pelos labirintos.
As
entrelinhas, pois, estão em tudo que lhe diga respeito. Nem tanto nem tão
pouco, quase sendo o que deveria ser. A montanha de pedra que se transforma em
poeira; uma força inexpugnável que se derrama em pranto; um ser angelical com
instinto tantas vezes irreconhecível. Carrega um silêncio que grita, pode
trazer na mão uma flor e uma arma na outra. E tanto beija como morde.
Não somente
isto, pois pode agredir depois de afagar, pode chegar com meigas palavras
quando dele se esperaria a exasperação violenta. Diz que vá, que desapareça,
que não volte jamais, e depois chora, pede perdão, implora para ficar. Promete
ajoelhado que não trairá novamente e depois se faz de esquecido. Basta um
instante para sua transformação.
O camaleão se
esconde, muda de cor, se amolda ao ambiente para se proteger nas entrelinhas da
natureza, mas o homem camaleão se modifica apenas externamente. No seu instinto
mutante surge como pássaro encantado trazendo por dentro um gavião malvado. Ou
o lobo feroz inesperadamente se amansa diante da presa mulher. Em situações
assim, não é difícil que o caçador se transforme em caça.
Muitos vivem e
agem nas entrelinhas sem qualquer intencionalidade; outros usam os labirintos
das entrelinhas para fazer exatamente aquilo que não teriam coragem de alma
pura e espírito temeroso; já outros nada fazem se não premeditadamente nas
curvas mais recurvadas das entrelinhas. Estes fazem dos caminhos tortos uma
nefasta prática de vida.

Das
entrelinhas muitos extraem a seiva da existência. Não conseguem viver sem
pensar em tirar proveito em tudo, sem procurar macular o que adormece em
pureza. Quase num instinto de crueldade, se alegra por dentro ao subjugar o
outro que deveria estar ao seu lado, seguindo pelo mesmo caminho, servindo de
exemplo bom.
E no amor,
ainda que um coração pervertido também necessite amar, o faz de modo tão
egoísta que a relação se transforma em obediência servil. Ou tudo ao seu modo
ou nada serve, pois o que interesse é ter. Os outros acreditarão estar ali um
verdadeiro amante, quando o cafajeste faz moradia nas entrelinhas.
(*) Meu nome é
Rangel Alves da Costa, nascido no sertão sergipano do São Francisco, no
município de Poço Redondo. Sou formado em Direito pela UFS e advogado inscrito
na OAB/SE, da qual fui membro da Comissão de Direitos Humanos. Estudei também
História na UFS e Jornalismo pela UNIT, cursos que não cheguei a concluir. Sou
autor dos eguintes livros: romances em "Ilha das Flores" e
"Evangelho Segundo a Solidão"; crônicas em "Crônicas
Sertanejas" e "O Livro das Palavras Tristes"; contos em
"Três Contos de Avoar" e "A Solidão e a Árvore e outros
contos"; poesias em "Todo Inverso", "Poesia Artesã" e
"Já Outono"; e ainda de "Estudos Para Cordel - prosa rimada
sobre a vida do cordel", "Da Arte da Sobrevivência no Sertão -
Palavras do Velho" e "Poço Redondo - Relatos Sobre o Refúgio do
Sol". Outros livros já estão prontos para publicação. Escritório do autor:
Av. Carlos Bulamarqui, nº 328, Centro, CEP 49010-660, Aracaju/SE.
Poeta e
cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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