Por: Rangel Alves da Costa(*)
DONZELA
CHORANDO À JANELA (OU A NOVELA DO PRÍNCIPE QUE NÃO VEIO E DA PRINCESA QUE NÃO
FOI)
Num lugar
muito distante - ou foi aqui mesmo na minha rua? – morava uma mocinha que de
tão linda ninguém jamais conseguiu descrever com palavras tanta beleza. Quem
mais se aproximou disse apenas que era uma flor.
Ousado que
sou, e pelo que ouvi falar - ou será que vi? – traço fiel retrato da linda
donzela à janela: bela jovem de formosura e perfeição, pintura primaveril que
logo faz lembrar... Ora, de tão bela chega a iludir o olhar, a tornar tudo numa
delirante fantasia.

Sim, a mais
bela de todas; a linda donzela à janela. E assim será daqui em diante, mesmo
que talvez eu nem tenha força suficiente para contar toda a história do que
sucedeu com a formosa mocinha, cujos olhos alegres e cristalinos um dia se
transformaram num córrego de sofrimentos.
Dizem que ao
entardecer de um dia triste uma velha e misteriosa cigana passou diante da
janela e ao avistar a donzela, seguiu mansamente a seu encontro. Com jeito
sutil e ardiloso foi logo dizendo que via grandes segredos no espelho daquele
tão meigo olhar. Bastava que ela lhe desse uma moeda e tudo seria revelado.
Ao sumir pela
estrada a velha cigana deixou para trás uma mocinha totalmente ruborizada,
tomada de encantamentos pelas palavras que ouviu. Segundo a cigana, não só o
espelho do olhar como as linhas das macias mãos diziam do maravilhoso destino
que logo encontraria. E, em troca de outra moeda, disse mais.
Tomada de
sutilezas para repassar veracidade às mentiras, disse ainda que não demoraria
muito para o mais lindo dos príncipes chegar diante da janela montado num
majestoso cavalo branco. E que ela estivesse pronta para subir à garupa e rumar
para o reino encantando onde o príncipe vivia. Ali, no Castelo dos Amores,
seriam felizes para sempre.
E exigindo
outra moeda, fez o arremate revelador, afirmando que ainda naquela noite ela
sonharia com o seu lindo príncipe. Assim, já conhecendo sua belíssima feição,
seu sorriso apaixonante e o porte imenso do cavalo, não teria mais dúvidas ao
sair da janela, estender a mão e subir no animal quando o momento chegasse.
Ciganas
existem que guardam consigo os conhecimentos ancestrais, tendo verdadeiramente
o dom de ler algumas das tantas linhas do destino, mas aquela era uma verdadeira
tapeadora. Deslavadamente mentiu e a mocinha donzela acreditou. Contudo,
ativado o princípio da sugestão, tomando como verdade o que ouviu, a bela
menina passou a ter certeza que realmente sonharia com o lindo príncipe ainda
naquela noite.
E sonhou. E
sonhou não porque a cigana sabia que isso aconteceria, mas simplesmente porque
a trapaceira disse que aconteceria. A mentira, pois, tem esse cruel dom de se
transformar em verdade na mente dos frágeis e inocentes. E já tendo deitado
para o sonho, outra coisa não ocorreu senão o encontro com o lindo príncipe
montado no seu branco e majestoso alazão.
Acordou toda
contente e certa de que as previsões realmente aconteceriam. Ao entardecer,
toda enfeitada de renda, perfume e flor, se pôs à janela para ver se
apareceriam alguns sinais da chegada do amor de sua vida. Mas nada, apenas uma
tarde, um vento soprando, uma sombra da noite chegando. Com olhar mais triste,
mais cedo deitou esperando sonhar.
E sonhou.
Sonhou com o Castelo dos Amores sendo invadido, o seu príncipe em perigo, o
cavalo esbaforido zanzando ali e acolá. Então ela pegou em armas para combater
mouros, cristãos, cruzados, visigodos, ostrogodos, uma horda de bárbaros que
surgia de todo lado. Não sabia se vencia, apenas que combatia, e acordou cansada
de tanta batalha.
Com a certeza
de ter salvado o reino da destruição e socorrido seu grande amor, se pôs à
janela ao entardecer e ali esperá-lo chegar para agradecê-la num abraço. E não
duvidava que o reconhecimento seria tanto que naquele mesmo dia subiria no
animal e levada pelo seu príncipe para o lar dos amantes.
Mas o príncipe
não veio nem ela sonhou nessa noite. Sonhou sim, mas não com ele, e sim com uma
velha cigana passando zombeteira e dizendo achincalhes diante de sua janela. E
naquela tarde se pôs no umbral apenas para chorar. E no entardecer do dia
seguinte chorou mais ainda. E mais ainda no dia seguinte.
De tantas
lágrimas caídas a terra embaixo da janela foi sendo molhada e logo brotando uma
plantinha triste. Cresceu parecendo chorosa, angustiada e cheia de sofrimento.
Cresceu tanto que tomou todo o espaço da janela, e quem passa por ali a conhece
como a árvore da doida.
Melhor seria a
árvore da princesa que não foi e do príncipe que não veio. Mas ao passar diante
dela a velha cigana simplesmente a chama de árvore da mocinha enlouquecida.
(*) Meu nome é
Rangel Alves da Costa, nascido no sertão sergipano do São Francisco, no
município de Poço Redondo. Sou formado em Direito pela UFS e advogado inscrito
na OAB/SE, da qual fui membro da Comissão de Direitos Humanos. Estudei também
História na UFS e Jornalismo pela UNIT, cursos que não cheguei a concluir. Sou
autor dos eguintes livros: romances em "Ilha das Flores" e
"Evangelho Segundo a Solidão"; crônicas em "Crônicas
Sertanejas" e "O Livro das Palavras Tristes"; contos em
"Três Contos de Avoar" e "A Solidão e a Árvore e outros contos";
poesias em "Todo Inverso", "Poesia Artesã" e "Já
Outono"; e ainda de "Estudos Para Cordel - prosa rimada sobre a vida
do cordel", "Da Arte da Sobrevivência no Sertão - Palavras do
Velho" e "Poço Redondo - Relatos Sobre o Refúgio do Sol". Outros
livros já estão prontos para publicação. Escritório do autor: Av. Carlos
Bulamarqui, nº 328, Centro, CEP 49010-660, Aracaju/SE.
Poeta e
cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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