Por: Rangel Alves da Costa(*)

VONTADE
DANADA DE SOLIDÃO
Não sei bem
por que, mas ultimamente tenho andado com uma vontade danada de solidão. E
solidão de verdade, daquelas que afasta o mundo, distancia de tudo, não deseja
outra coisa que não o silêncio e um espelho adiante. Para quebrá-lo!
Mas não será
apenas um encontro com a solidão, mas um necessário reencontro. Desde muito que
a conservo num baú de onde, de tempos em tempos, retiro os cadeados para que se
liberte dentro de mim. Do contrário seria fingir minha própria existência.
Nasci
solitário, por muito tempo cultivei distanciamentos tão necessários, mas o
dia-a-dia sempre me joga às ruas, às multidões, ao caos do compartilhamento com
pessoas abomináveis. Preciso, pois, abrir urgentemente a tampa do baú e me
reencontrar um pouco mais. Na solidão...

Nem me venha
com essa de que a solidão pode ser profunda ainda que esteja ao lado de
multidões. Duvido que seja possível fruir as dimensões solitárias tendo que
enxergar o imprestável, ouvir as aberrações, cortar caminhos entre arrogâncias
e ignorâncias. De jeito nenhum, pois solidão é pureza que se desfruta em
ambiente apropriado.
Longe de tudo,
apenas na minha presença, e logicamente diante do cenário e paisagem que
completam o ato. O nada por todo lugar. Ah, sim, uma janela aberta, o vento da
noite entrando, a luz de vela cintilando, uma voz que não ouço porque não é
voz. É o meu grito. O meu silencioso grito.
Quando eu era
menino – uma sutil diferença no tempo do que ainda sou -, tinha uma solidão
diferente. De cabeça baixa, pés descalços, rumando a qualquer direção, eu
sempre chegava às pedras do córrego que corta a minha aldeia. E ali, com olhos
imaginando mirar as águas, sentado nas pedras escuras lavadas, via a lua descer
pra me chamar de menino, pra me mandar retornar.
Numa noite,
tenho certeza de ter ouvido a voz da lua dizendo baixinho ao meu ouvido: Seja
solidão ou tristeza, ainda não chegou o seu tempo de ficar tão distante da
realidade. Volte, retorne à sua porta, e com o tempo irá aprendendo a verdade
da vida. Se lhe soprar cruelmente, eis que poderá retornar que aqui estarei
para sofrer ao seu lado, para viver contigo a sua solidão.
Já rapazote, e
continuando com todos os motivos do mundo para cultivar instantes de solidão,
eis que decidi retornar à beirada do córrego, às pedras sempre chorosas, e ali
esperar o anoitecer e a lua descer como noutros tempos. Agora seria minha vez
de soprar baixinho ao seu ouvido os motivos de estar ali novamente.
Ao me avistar
lá de cima, ela forçou passagem entre as nuvens e veio descendo mansamente.
Logo senti algo diferente, que não era a mesma lua grandiosa que sempre tomava
conta de tudo, que se mostrava triste, chorosa, melancolicamente aflita. Senti
uma aflição tão grande que até esqueci as palavras que tinha a dizer. Então me
aproximei mais para ouvir a sua voz.
E ela disse
num sussurro: Tens razão, menino-homem. Tanto brilho em mim que acabei
esquecendo de me enxergar. Dia desses deixei de lado a vaidade e me olhei no
espelho, esqueci minha sabedoria e ouvi as estrelas, deixei de lado a
imponência e conversei com meus próprios anéis. E em tudo a única certeza de
que não somos nada diante dos outros se não valorizamos a nós mesmos. Por isso
mesmo passei a buscar refúgios na solidão para encontrar-me comigo mesma, para
gritar os meus medos internos, para que o aparente nada possa reconstruir o que
fui destruindo por medo de sofrer.

Desde esse
momento que mais fortemente abracei a solidão como amiga. A lua, aquela mesma
lua confidente, esta trago comigo dentro do meu baú. E enquanto os vermes
famintos se digladiam aos abraços, e quando me vejo tão distante dessa
realidade absurda, é que trago para o meu lado o meu baú. Chamo a lua e com ela
dialogo meu solitário momento. Que o sofrimento entrecorte as palavras e os
olhos embaçados turvem o instante.
Mas assim
prefiro viver, e assim viverei iluminado pela lua imensa da solidão.
Biografia do autor:
(*) Meu nome é
Rangel Alves da Costa, nascido no sertão sergipano do São Francisco, no
município de Poço Redondo. Sou formado em Direito pela UFS e advogado inscrito
na OAB/SE, da qual fui membro da Comissão de Direitos Humanos. Estudei também
História na UFS e Jornalismo pela UNIT, cursos que não cheguei a concluir. Sou
autor dos eguintes livros: romances em "Ilha das Flores" e
"Evangelho Segundo a Solidão"; crônicas em "Crônicas
Sertanejas" e "O Livro das Palavras Tristes"; contos em
"Três Contos de Avoar" e "A Solidão e a Árvore e outros
contos"; poesias em "Todo Inverso", "Poesia Artesã" e
"Já Outono"; e ainda de "Estudos Para Cordel - prosa rimada
sobre a vida do cordel", "Da Arte da Sobrevivência no Sertão -
Palavras do Velho" e "Poço Redondo - Relatos Sobre o Refúgio do
Sol". Outros livros já estão prontos para publicação. Escritório do autor:
Av. Carlos Bulamarqui, nº 328, Centro, CEP 49010-660, Aracaju/SE.
Poeta e
cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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http://blogdomendesemendes.blogspot.com
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