Por: Rangel Alves da Costa(*)
UM
NINHO NO MEU QUINTAL
Hoje em dia,
com as secas esturricando e deitando tudo, com a desenfreada devastação pelas
matarias catingueiras, a coisa mais difícil no mundo é encontrar ninho de
passarinho. Nem o próprio passarinho se vê mais como antigamente. Dias e dias a
fio para ouvir algum canto tristonho.
Verdade é que
os voejantes sumiram, arribaram, partiram em revoada rumo às distâncias
desconhecidas. Precisam de alimento, precisam de água e de abrigo, e
infelizmente o sertão não pode mais oferecer quase nada disso. Só restaram
mesmo aqueles passarinhos grudados à terra feitos mandacarus e xiquexiques. Mas
são poucos, quase inexistentes, e no silêncio eterno do seu cantar.

Será tristeza,
dor, lamento ou coisa parecida? Tenho certeza que sim. Bicho berra, agoniza,
vai secando; homem sofre, lamenta, chora; planta esturrica, definha, morre de
vez; terra endurece, racha, vira pedra. E com passarinho não poderia ser
diferente. Alegria das matas, voando de pau em pau, quando se vê sem moradia e
sem pão aperta-lhe o coração. O bico cala de vez, as asas querem voar. Sem
forças. Vira carniça de cobra.
Molecote
ainda, vivendo num mundo de encantamento sertanejo, numa época em que
passarinho fazia festa até no quintal, lembro das reinações que já fiz com os
bichinhos. Saía no meio da noite com lanterna para encandear e pegar fogo-pagô
com a mão, bem no momento que ela estava no ninho. Armei arapuca, pequei
peloquinho, fiz coisa errada demais. Mantinha até um viveiro enorme para fazer
inveja aos outros meninos. Quanta besteira, meu Deus!.
Os pardais.
Ah, os pardais faziam a loucura de muita gente, de muita dona de casa. De
repente, e tomavam a casa inteira, faziam ninhos na cumeeira, nos cantos das
paredes, nos caimentos das bicas, por todo lugar. E faziam um barulho terrível,
uma melação maior ainda. E lá ia avexada a desesperada mulher com o cabo de
vassoura tentando espantar a passarinhada.
E no mesmo
instante avistava-se uma nuvem de pardais, nuvem gorda, voejante, barulhenta.
Não demorava muito e todos voltavam aos pouquinhos. E a pobre mulher ficava em
tempo de endoidar com a casa inteirinha tomada de tanta sujeira, de tanta pena
pelo ar. Mas até os pardais sumiram, foram embora de vez do meu sertão.
Hoje distante
de lá, todas as vezes que retorno percorro as beiradas dos descampados e não consigo
avistar nem ouvir qualquer canto passarinheiro. Mas sei que ainda existem,
difíceis de ser avistados mas existem. Logo cedinho, na hora do meu primeiro
passo, vejo a rapaziada passar com gaiolas em direção aos tocos de paus, às
árvores ainda existentes pelos arredores. E vejam o absurdo: dizem que vão
fazer os prisioneiros reaprender a cantar com os que estão em liberdade!.
Volto sempre
pensando no sertão que era e na terra irreconhecível que está agora. Trago
sempre comigo um canto de coleirinho, de azulão, de canarinho, de cabeça, de
curió. E também as cores do periquito, do sabiá, da rolinha, do tiziu. Trago
tudo o que não pude mais encontrar. Mas tudo rebuscado no álbum da memória, no
grande livro de outros tempos, naqueles idos de vida pujante na mata e nos voos
cantantes.
Mas ontem,
aqui na cidade grande, percebi algo diferente no meu quintal. Primeiro ouvi um
belo canto logo ao alvorecer, melodia cuja suavidade só poderia ter surgido num
bico de passarinho. Depois senti um bater de asas e um voo apressado, com
plumas pequeninas e coloridas. E em seguida pousou bem no alto da goiabeira.
Era o mais belo dos pássaros, daqueles tantas vezes avistados nos tempos idos
do meu sertão.

E não somente
avistava o passarinho lá em cima como podia enxergar um ninho mais embaixo. Em
meio aos galhos da goiabeira lá estava o encantador aposento feito de fiapos,
de capim, de folhagens secas. Um ninho no meu quintal era a coisa mais
maravilhosa que podia acontecer. E estava lá, todo bem feitinho e arrumadinho.
O seu dono lá em cima, olhando pra mim, de vez em quando ensaiando um canto.
Mais tarde,
quando o sol bateu e fui molhar os olhos, já não precisava de água. As lágrimas
caíam com uma saudade imensa. Tanta dor que mal dava para olhar adiante e
enfrentar a realidade. Nenhum quintal, nenhuma goiabeira, nenhum passarinho,
nada de ninho. Tudo muro, tudo cimento, tudo tristeza.
Biografia do autor:
(*) Meu nome é
Rangel Alves da Costa, nascido no sertão sergipano do São Francisco, no
município de Poço Redondo. Sou formado em Direito pela UFS e advogado inscrito
na OAB/SE, da qual fui membro da Comissão de Direitos Humanos. Estudei também
História na UFS e Jornalismo pela UNIT, cursos que não cheguei a concluir. Sou
autor dos eguintes livros: romances em "Ilha das Flores" e
"Evangelho Segundo a Solidão"; crônicas em "Crônicas
Sertanejas" e "O Livro das Palavras Tristes"; contos em
"Três Contos de Avoar" e "A Solidão e a Árvore e outros
contos"; poesias em "Todo Inverso", "Poesia Artesã" e
"Já Outono"; e ainda de "Estudos Para Cordel - prosa rimada
sobre a vida do cordel", "Da Arte da Sobrevivência no Sertão -
Palavras do Velho" e "Poço Redondo - Relatos Sobre o Refúgio do
Sol". Outros livros já estão prontos para publicação. Escritório do autor:
Av. Carlos Bulamarqui, nº 328, Centro, CEP 49010-660, Aracaju/SE.
Poeta e
cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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