Por: Rangel Alves da Costa(*)
O POEMA
PERFEITO
Diferentemente
da poesia, que possui intenso brilho estético, ritmos rimados ou não, uma
estrutura muito mais enxuta do que a longa versificação, o poema é mais extenso.
E este também traz no seu bojo um enredo, uma trama, épica ou não, como
verdadeira prosa poética escrita em versos.
Diante de tais
características, logo se tem que a poesia é um tanto descompromissada com a
estética narrativa. Poesias são escritas que somente os próprios poetas as têm
como tais, pois sem brilho ou emotividade. Já o poema sempre procura chegar a
algum lugar. Dificilmente um poeta se entrega ao poema sem pretender-lhe um
desfecho grandioso.
Poesias são
escritas com versos simples, com rimas pobres ou primorosamente elaboradas.
Possuem versos perfeitos ou simplesmente um arremessar de palavras desconexas
diante do leitor. Por se voltar mais ao subjetivismo e a expressão intimista do
autor, muitas vezes cada um dá uma leitura diferente ao escrito.

Cecília
Meireles soube muito bem caminhar pelos dois gêneros separadamente. Em alguns
instantes escreveu apenas poesias, como em Motivo e em Timidez, e em outros
apenas poemas. Romanceiro da Inconfidência é a perfeita exemplificação de
poema. Contudo, autores existem que mesclam os dois gêneros no mesmo escrito.
Um bom exemplo é Walt Whitman e o seu famoso Folhas de Relva. Neste verifica-se
a poesia dando brilho, cor e intensidade ao poema.
Mas um dia,
num tempo de data indecifrável, muito distante mesmo, cansado de escrever
poesias em folhas, na madeira bruta, em pergaminhos, em folhas de barro, pelas
areias e no que encontrasse, um jovem poeta decidiu que já era tempo de começar
a escrever o poema de sua vida. Entretanto, não queria apenas um poema, mas o
mais belo e perfeito, algo que ficasse para a posteridade, e sendo
continuamente admirado.
Mesmo ainda
muito jovem, enquanto poeta de poesia já havia alcançado todos os méritos e
reconhecimentos. Certa feita a lua ficou três dias seguidos, ainda que
confrontando o sol, em busca de uma palavra de esperança amorosa. Outra vez,
fez as ninfas, as sereias e as deusas dos campos floridos ficarem perdidamente
apaixonadas pelos seus versos de amor e encantamento.
Mas agora
queria um poema, e um que fosse o mais perfeito, com versos jamais escritos com
tamanha agudeza espiritual e refletindo a um só tempo a voz do coração e a
beleza nos feitos que seriam descritos. Eis que somente assim alcançaria as
graças da musa da brisa perfumada. A razão da existência dessa musa seria a sua
inspiração.
Nessa
intenção, durante um ano ficou diante da imensa tábua pensando em como começar
o poema, quais as palavras exatas para a perfeição dos versos. O ano seguinte
passou inteirinho chorando porque ainda não havia conseguido iniciar sua
magistral obra. Mas num segundo tomou uma decisão.
Com a
humildade dos verdadeiros artistas das palavras e versos, seguiu em busca do
aconselhamento dos sábios. Sabia muito bem que os sábios, enquanto poetas do
pensamento e das ideias, poderiam muito bem orientá-lo em como melhor abrir os
portais daquele maravilhoso mundo que queria adentrar para encantar sua musa.
Queria principalmente encontrar o verso inicial, aquele que servisse de luz
para o seu poético percurso.
Encontrou o
sábio da eternidade refletindo no alto de uma montanha sagrada. Já era
entardecer, com horizontes entre o vermelho e o alaranjado. O velho ouviu-o
atentamente e em seguida pediu para que olhasse ao redor e depois expressasse o
que sentia naquele momento. Então o jovem mirou as distâncias e disse que a
razão de ser da vida estava também naquela paisagem. E foi a voz do sábio
afirmar: Então comece o seu poema a partir da visão desse momento.
O poeta não
ficou tão contente como esperava. Da resposta ouvida, e ainda que jamais
esquecesse o que tinha visto ali do alto da montanha, não tinha certeza se
conseguiria encontrar as palavras exatas para a descrição. E assim, na dúvida,
seguiu procurando outro sábio, que encontrou dois dias depois orando ajoelhado
à beira de um rio de água cristalina.

Após explicar
a sua situação, o velho sábio pediu para que olhasse o leito sublime do rio e
depois expressasse o que tinha visto. O poeta pensou estar diante do outro, só
que noutra paisagem, mas cumpriu o desejado para depois ouvir do homem do
tempo: Comece escrevendo o poema com a poesia do que maravilhosamente viste.
Após sair dali
o poeta sentou numa pedra e começou a dizer a si mesmo que pouco proveito havia
tido com aqueles dois encontros com os sábios, eis que os dois mandaram começar
o poema pelas paisagens avistadas. A única diferença é que uma paisagem de
entardecer e outra de um rio correndo como cenário.
E ficou
pensando entristecido. E falando ao vento: O entardecer desceu nas águas do rio
e começou a correr. E pulou espantado. Havia encontrado as palavras exatas para
dar início ao poema mais perfeito já escrito na face da terra outra. Num tempo
em que o mundo era realmente belo.
Biografia do autor:
(*) Meu nome é
Rangel Alves da Costa, nascido no sertão sergipano do São Francisco, no
município de Poço Redondo. Sou formado em Direito pela UFS e advogado inscrito
na OAB/SE, da qual fui membro da Comissão de Direitos Humanos. Estudei também
História na UFS e Jornalismo pela UNIT, cursos que não cheguei a concluir. Sou
autor dos eguintes livros: romances em "Ilha das Flores" e
"Evangelho Segundo a Solidão"; crônicas em "Crônicas
Sertanejas" e "O Livro das Palavras Tristes"; contos em
"Três Contos de Avoar" e "A Solidão e a Árvore e outros
contos"; poesias em "Todo Inverso", "Poesia Artesã" e
"Já Outono"; e ainda de "Estudos Para Cordel - prosa rimada sobre
a vida do cordel", "Da Arte da Sobrevivência no Sertão - Palavras do
Velho" e "Poço Redondo - Relatos Sobre o Refúgio do Sol". Outros
livros já estão prontos para publicação. Escritório do autor: Av. Carlos
Bulamarqui, nº 328, Centro, CEP 49010-660, Aracaju/SE.
Poeta e
cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário