Por: Rangel Alves da Costa(*)
MANDACARU
TEM FLOR
Mandacaru tem
flor. Floresce mandacaru!
Tanta sina,
tanta vida, tanto destino de desalento e solidão, esperança petrificada desse
sertão. Povo faminto, povo tão nu, esperando a flor do mandacaru.
Tempo aberto,
sol escaldante, calango passando, cobra sumindo debaixo da macambira, um tatu e
um preá, tudo nesta vida e nela tudo que há. Nas pedreiras o urubu, espante o
bicho mandacaru!
Alvorece, vem
o dia, a tarde chega escaldante, um entardecer num rompante caminhando para o
anoitecer. Tudo passa sempre assim, sem revoada ou pio de passarim, sem nuvem
ao norte, sem nuvem ao sul. Floresce mandacaru!

Maria foi
passear, tomou o destino do mato, cortou vereda e caminho, pisou em ponta de
pedra, pisou em ponta de espinho, mas seguia sem destemor tentando encontrar a
flor. No cansaço que chegou, sentou no chão e chorou, queria apenas a flor, a
cor do mandacaru!
Gavião ronda a
magreza, urubu vem rastejante, imagina que num instante o bezerro vai cair, o
bezerro vai morrer, e a carniça a lhe sorrir. Enquanto a morte não vem,
enquanto a danada não grita, o carnicento faz seu voo e pousa no mandacaru. Os
olhos avermelhados na flor do mandacaru!
Menino
sertanejo danado, traquina de descampado, quando se vê aperreado corre pro mato
em fuga. Como não tem com o que brincar, pula e pega o sol com a mão, e nele dá
um chutão rumo ao mandacaru. A ponta do espinho no sol explode em girassol, a
flor do mandacaru!
Mandacaru tem
flor, é vermelha, é azul, é uma cor de toda cor a flor do mandacaru. Quando
chove é jardim, mas se chuvisca brota enfim o que mais parece jasmim. Na
ensolarada dos dias, em meio a lamentos e agonias, ninguém mais enxerga a flor
na dor do mandacaru.
Depois da
molhação da trovoada, enchendo tanque, alagando estrada, a caatinga se
transforma. Faz festa a bicharada, a mata toda animada louvando a graça divina,
e o mandacaru com a sina de agradecer ao Senhor. Abre os braços numa prece, em
cada lado uma flor!
Sertanejo
agoniado, catando comida pro gado, corta palma e capim, corta mato e o que
encontrar, num desespero sem fim. Desce o machado em tudo, derruba até aroeira
pra fugir da desgraceira que é a fome do bicho. Só não corta o espinhento,
altivo e arreliento, a flor do mandacaru.
A Velha Sinhá
se alevanta, mija em riba da planta que é pra ela não morrer. Depois abre a
porta da frente, já sentindo o bafo quente do sol mais perto da terra. Eleva a
Deus uma prece, numa fé que não esmorece, desejando boa sorte. Ergue o olhar
para o norte, no piado da nambu, e os olhos pensam avistar uma flor no
mandacaru!
Tanta seca,
tanto cinza, tanto calor de fogaréu, nenhuma nuvem no céu, dia e noite o
escarcéu. Fogo acende na mata, galho seco que desata e arrebenta no chão. No
chão a devastação, no curral a berração, coisa mais triste o sertão. Canta
triste o uirapuru, chora a flor do mandacaru!

Mas nem tudo é
agonia, com o amor compensa-se a melancolia, e lá vai seguindo pro mato o
apaixonado por Maria. Quer um presente encontrar, um trançado de caroá ou
diadema de folha de jatobá. Vai ficando entristecido, pois o amor tão merecido
não será presenteado. E assim todo pranteado encontra adiante um velho
mandacaru. Mas cadê a flor, a flor do mandacaru?
Um dia, de
manhãzinha quase noite, quando a brisa era açoite, apareceu um medonho pássaro
soltando faísca dos olhos. A terra esturricou, o resto de água acabou, a fome
disseminou, no sertão tudo murchou. Mas quando mirou a flor, a flor do
mandacaru, numa nuvem se transformou.
E o sertão
chuvarou, a trovoada trovejou, fartura de norte a sul. E tudo por causa da
flor, da flor do mandacaru, que enquanto viver o sertão não morrerá. Então
floresce mandacaru!
Biografia do autor:
(*) Meu nome é
Rangel Alves da Costa, nascido no sertão sergipano do São Francisco, no
município de Poço Redondo. Sou formado em Direito pela UFS e advogado inscrito
na OAB/SE, da qual fui membro da Comissão de Direitos Humanos. Estudei também
História na UFS e Jornalismo pela UNIT, cursos que não cheguei a concluir. Sou
autor dos eguintes livros: romances em "Ilha das Flores" e
"Evangelho Segundo a Solidão"; crônicas em "Crônicas
Sertanejas" e "O Livro das Palavras Tristes"; contos em
"Três Contos de Avoar" e "A Solidão e a Árvore e outros
contos"; poesias em "Todo Inverso", "Poesia Artesã" e
"Já Outono"; e ainda de "Estudos Para Cordel - prosa rimada
sobre a vida do cordel", "Da Arte da Sobrevivência no Sertão -
Palavras do Velho" e "Poço Redondo - Relatos Sobre o Refúgio do
Sol". Outros livros já estão prontos para publicação. Escritório do autor:
Av. Carlos Bulamarqui, nº 328, Centro, CEP 49010-660, Aracaju/SE.
Poeta e
cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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