Por: Rangel Alves da Costa(*)
O QUE SAI DA
BOCA COMO PALAVRA
Na Bíblia, em
Mateus 15:11, está escrito: “O que contamina o homem não é o que entra na boca,
mas o que sai da boca, isso é o que contamina o homem”. Por sua vez, bebendo na
fonte bíblica, a música também diz que o mal é o que sai da boca do homem.
Da boca do
homem sai de tudo que se imagina, do encantador ao imprestável, mas
principalmente o verbo, expressado através da palavra. E que bom seria se esse
poder da palavra que o homem possui servisse apenas para o diálogo útil, o
relacionamento, a manifestação cordial. Mas não, pois o ser humano sempre
encontra um jeito de tornar veneno aquilo que nasceu hidrome.
Palavra é
carícia, é afeto, é sentimento, mas também pedra, lâmina afiada, arma mortal.
Por ser assim, a força das palavras produz situações impressionantes. No dito,
a sentença, o convencimento, a aceitação, a revolta, a lágrima, a resposta.
Possui poder tão ilimitado que chama à guerra, sela a paz, espalha a mentira e
a derrocada de qualquer pessoa. Ferida aberta pela palavra é difícil de ser
curada.

Mas o que será
mesmo a palavra? Para uns é um vocábulo, é um som articulado, é a unidade da
língua; para outros é a voz dando significação aos seres e coisas. Mas para
outros é a arma sempre engatilhada ou no repouso do pensamento maldoso para ser
utilizada a qualquer momento. E a boca como canhão, a voz como bucha, a
expressão como estampido!
E não somente
isto, vez que o seu uso tem servido para os mais abjetos propósitos. Eis os
políticos, os falsos profetas, os discursistas larápios que se espalham pela
sociedade. É neste contexto que a palavra se torna objeto de ingratidão humana:
o seu uso racional, porém transformada em meio de dominação espúria, de
mentira, amedrontamento e submissão.
Certa feita, e
disto já se conta mais de dez séculos, um velho sábio instigado por seu jovem
discípulo disse que o homem não precisaria da palavra se o outro pudesse
ouvi-lo não através de sua voz, mas do verbo primeiro, puro, que está na sua
consciência. Concordo plenamente. Sabendo a intencionalidade da palavra do outro,
então não incorreria no perigo de estar ouvindo mentira como verdade fosse.
O velho sábio
tinha plena consciência que as palavras são quase nada diante do pensamento.
Ora, posso dizer o que quiser simplesmente para agradar, posso buscar os versos
mais doces e encantadores para impressionar, posso mentir de tal forma que o
outro pensará que jamais ouviu tanta verdade. Assim, se quem ouve não procura
buscar as verdades escondidas, então será fácil demais continuar manipulando
como quiser.
Daí que a
certeza não está nem na palavra dita – que pode ser mentirosa, como demonstrado
-, nem naquilo que o ouvinte acolhe como verdade. A palavra não pode ser
jogada, simplesmente arremessada ao vento. Se a palavra nasce de alguém, então
primeiro se deve entender a verdade desse alguém para, e somente depois, poder
confiar naquilo que expressa.
Verdade é que
na boca de espertalhões a palavra se torna tão mortal que não raro o frasco se
derrama na boca do seu próprio dono. Conhecendo as nuances da língua, os termos
cativantes, os modos de bem falar, então se arvoram do mundo. E saem criando
argumentos, costurando frases que não passam de enganações. E quando encontram
um de pouca sabedoria então fazem a festa.
Por que digo
isto? Ora, explico. Ora, o que são frases senão uma junção de palavras para dar
sentido a alguma coisa; o que são frases que não significados repassados
através de palavras? Mas o problema é que as frases, muitas vezes, não alcançam
a significação proposta pelo mensageiro ou não são ouvidas a contento pelo
interlocutor. Tantas outras vezes são ditas sem cabimento algum, mas que no
fundo do fundo são mecanismos ardilosos utilizados para ludibriar.

E isto ocorre
por diversos motivos. Se o mensageiro possui bom repertório de palavras,
conhece bem aquelas que devem ser utilizadas na frase para ser compreendido,
então não haverá maiores dificuldades. Mas a maioria das pessoas possui grandes
limitações no uso da língua e, por isso mesmo, possui a capacidade reduzida de
decifrar o que ouve. Por consequência, apenas ouve sem noção do que realmente
seja ou sendo forçado a acreditar.
Por isso mesmo
dizem que a palavra simplesmente aceita, sem jamais ser depurada ou conhecida
nas suas entranhas, pode provocar danos irreversíveis, irreparáveis. E aquela
que não é contraditada, rebatida, afeta ainda mais. E tudo porque a mente não
soube enviar à boca a resposta exemplar diante de qualquer ofensa: “A sua razão
é apenas sua, pois a mim compete saber a verdade, e não sei se está pronto a
ouvi-la!”.
Biografia do autor:
(*) Meu nome é
Rangel Alves da Costa, nascido no sertão sergipano do São Francisco, no
município de Poço Redondo. Sou formado em Direito pela UFS e advogado inscrito
na OAB/SE, da qual fui membro da Comissão de Direitos Humanos. Estudei também
História na UFS e Jornalismo pela UNIT, cursos que não cheguei a concluir. Sou
autor dos eguintes livros: romances em "Ilha das Flores" e
"Evangelho Segundo a Solidão"; crônicas em "Crônicas
Sertanejas" e "O Livro das Palavras Tristes"; contos em
"Três Contos de Avoar" e "A Solidão e a Árvore e outros
contos"; poesias em "Todo Inverso", "Poesia Artesã" e
"Já Outono"; e ainda de "Estudos Para Cordel - prosa rimada
sobre a vida do cordel", "Da Arte da Sobrevivência no Sertão -
Palavras do Velho" e "Poço Redondo - Relatos Sobre o Refúgio do
Sol". Outros livros já estão prontos para publicação. Escritório do autor:
Av. Carlos Bulamarqui, nº 328, Centro, CEP 49010-660, Aracaju/SE.
Poeta e
cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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