quarta-feira, 3 de outubro de 2012

MARIA, JOSÉ E OS SEUS TRÊS FILHOS (Crônica)

Por: Rangel Alves da Costa(*)
Rangel Alves da Costa

MARIA, JOSÉ E OS SEUS TRÊS FILHOS

A riqueza maior da vida era a família: Maria, José e os seus três filhos. Maria José, a mocinha; José Maria, o mais velho; e João, o mais novo. E riqueza maior porque não havia outra de jeito nenhum.

Casa de taipa em pedaço de chão; cama de vara, tamborete de assento; moringa na janela, panela vazia; malhada e quintal, galinheiro vazio; dois quartos, sala e cozinha; banheiro nos matos, cachorro deitado. E um pouquinho mais que isso.

Uma fome, uma sede, uma terra esturricada, uma lama no tanque, um mandacaru entristecido, um umbuzeiro desnudo, um preá escondido, um papagaio repetindo a dor e a agonia: vem gente aí!

Mas nunca chegava ninguém. Mesmo sabendo da papagaiado do bicho, mentiroso fino que só gente de nome, a velha mãe lançava o olhar triste, profundo, magro e sem brilho, em direção à curva da estrada.


José Maria, o mais velho, nome que homenageava tanto o pai como a mãe, arribou com treze anos de casa e nunca mais voltou. Numa seca medonha, subiu num pau de arara pra cortar cana numa região distante e desse dia em diante só dá notícia em mal traçadas linhas.

“Mãe, se tiver viva mim espere. Diga a pai que num morra inté eu chegá aí. Maninha já tá mió da cabeça? Adonde anda João? Pode mim espará que vorto, cum fé em Deus”. Mas já fazia mais de dois anos que não escrevia. E o maior temor dos pais era esse.

João também estava distante. Num dia que apareceu um circo de pouca lona na cidade, inventou que queria ser atirador de faca. Os pais só faltaram se acabar de tristeza quando souberam de tal história.

Mas o danado do menino soube enganar como ninguém. Deixou o circo pegar a estrada, arrumou os panos de bunda e não amanheceu mais na tapera. A última notícia que os seus tiveram dava conta que havia se amigado com a rumbeira e ganhava a vida soltando fogo pela boca.

Com os filhos homens pelo mundo, só restavam mesmo os velhos e a amalucadinha. E também o cachorro magro, a desolação, a estiagem de espantar poeira, a pobreza se alastrando por dentro de casa e chegando ao pé da barriga, mostrando os ossos.

E ainda por cima o safado do papagaio dia e noite repetindo, parecendo com a única intenção de martirizar a velha mãe, dizendo sempre que vinha gente adiante. Mas um dia ele falou a verdade. Estava na janela e gritou: vem gente ali!

Quase tomada de cegueira, já velha demais para apressar o passo, mas ouvindo um barulho de gente chegando, ela tateou até a porta para perguntar quem estava ali. Sou eu, mãe, José Maria, seu filho. Cadê pai, cadê maninha?
Ela não respondeu. Mas o papagaio sim: Voltou tarde demais. Ou cedo demais para a solidão. A família agora é só você. E eu, se quiser que eu conte uma história de ingratidão.

(*)Meu nome é Rangel Alves da Costa, nascido no sertão sergipano do São Francisco, no município de Poço Redondo. Sou formado em Direito pela UFS e advogado inscrito na OAB/SE, da qual fui membro da Comissão de Direitos Humanos. Estudei também História na UFS e Jornalismo pela UNIT, cursos que não cheguei a concluir. Sou autor dos eguintes livros: romances em "Ilha das Flores" e "Evangelho Segundo a Solidão"; crônicas em "Crônicas Sertanejas" e "O Livro das Palavras Tristes"; contos em "Três Contos de Avoar" e "A Solidão e a Árvore e outros contos"; poesias em "Todo Inverso", "Poesia Artesã" e "Já Outono"; e ainda de "Estudos Para Cordel - prosa rimada sobre a vida do cordel", "Da Arte da Sobrevivência no Sertão - Palavras do Velho" e "Poço Redondo - Relatos Sobre o Refúgio do Sol". Outros livros já estão prontos para publicação. Escritório do autor: Av. Carlos Bulamarqui, nº 328, Centro, CEP 49010-660, Aracaju/SE.

Poeta e cronista
e-mail: rac3478@hotmail.com
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