Por: Rangel Alves da Costa(*)
AUSÊNCIAS
Estou, mas não
estou; este que sou eu talvez não seja; sinto-me, me olho e me vejo, mas não me
compreendo; tudo diz de mim, mas o que em mim restou para que seja assim?
Talvez o meu erro tenha sido querer ser demasiado eu sem respeitar minhas
ausências.
Tanta vaidade
ao querer ser demais; tanto orgulho ao pretender ser além do que podia ser;
tanto egoísmo para pensar na possibilidade da presença, mesmo não estando. Por
ser assim, achava que cada ausência causaria falta, saudade, o necessitar da
presença. E fui sumindo sem ninguém perceber ou desejar retorno.

E daí em
diante somente a ausência. Procuro-me e não acho, me quero e não encontro, me
caço e não vejo nem rastro. Um dia gritei para chamar alguém, um dia corri para
encontrar alguém, um dia dormi para sonhar com alguém. Mas como o vento que
bate na muralha e retorna, me fiz eco sem sair do lugar, sem ninguém encontrar.
Nem a mim mesmo.
A sombra
reflete a presença, o passo deixa a marca de quem passou, o portão entreaberto
presume a chegada ou a partida, tudo servirá de vestígio de alguém ou algo que
está por ali. Mas não estive lá nem em outro lugar. Não sei onde estou, mas sei
que não estou lá. Minhas ausências provam que não sai daqui. Onde também não
estou.
Tudo de
repente se faz ausência, por que comigo seria diferente? A memória dissipa, o
outono esvoaça, a solidão desaparece, a alegria tem sumiço, a infância que não
mais existe, a mocidade que já passou. Persiste a esperança, mas até quando?
Ora, a dúvida
persiste, insiste, magoa. Olharam meu rosto e disseram enxergar ali um sorriso,
uma feição boa, um certo contentamento; disseram ter ouvido minha voz, me
ouvido cantar, e que até ensaiava um passo de valsa; afirmaram que jamais me
encontraram com aspecto tão radiante e cheio de felicidade. Eis a prova de
minha ausência, pois nada disso existiu em mim.
Sei que não me
encontraram assim porque sei que estava muito ausente do sorriso, do
contentamento, da felicidade. E também não estava em qualquer lugar que pudesse
ser avistado, encontrado. Ando tanto ausente que muitas vezes não sei onde
estou ou possa ser encontrado.
Lembro bem que
numa noite de insônia abri um velho dicionário escolar e tateei em busca da
palavra ausência. E lá me encontrei, ou seja, desde aquele dia eu não estava
mais. Eis que as palavras diziam sobre falta, distanciamento, carência,
afastamento, vazio. E principalmente inexistência.
E falava ainda
acerca da ausência como afastamento de uma pessoa do lugar em que se deveria
achar, falta de comparecimento, desaparecimento momentâneo de uma pessoa,
período em que alguém deixou de ser visto ou de estar presente. Enfim, a
ausência como condição daquele que está ausente ou não-presente.
Mas foi o
termo inexistência que realmente me fez compreender sobre a ausência em mim. O
inexistente é algo tão profundo como a raiz inexplicável da filosofia. Alguns
diriam que inexiste aquilo que jamais existiu; outros afirmariam acerca da
precariedade da existência, ou seja, algo que de tão fragilmente existir acaba
como sendo inexistente.
Mas eu diria
de outra forma sobre minha inexistência, e tendo por fundamento a possibilidade
da minha existência um dia. O percurso fatal é do existir até alcançar a
inexistência. Mas agora recordo de alguma coisa que poderá servir para
desvendar tal mistério, o enigma da existência que deixou de existir.

Eis que um dia
– e isso recordo muito bem – passei de criança a menino, adolescente. Naquele
momento eu existia tão completamente que imaginava poder alcançar tudo o que
bem entendesse. Então comecei a buscar, a conseguir, a querer muito mais. Até
que um dia quis amar. E profundamente amei até descobrir que o amor seria muito
melhor se houvesse outro alguém que me amasse. Mas eu amava sozinho. E ela não.
Nem ao menos reconhecia o meu querer, o meu desejo, o meu amor.
Continuei
amando, mesmo na ausência da pessoa amada. E amei de tal modo que me ausentei
da realidade para viver tal amor. E ainda hoje continuo amando. E ausente do
melhor a viver. Nas ausências, bastaria uma simples presença. Talvez a minha.
Ou a outra, a sua...
Biografia do autor:
(*) Meu nome é
Rangel Alves da Costa, nascido no sertão sergipano do São Francisco, no
município de Poço Redondo. Sou formado em Direito pela UFS e advogado inscrito
na OAB/SE, da qual fui membro da Comissão de Direitos Humanos. Estudei também
História na UFS e Jornalismo pela UNIT, cursos que não cheguei a concluir. Sou
autor dos eguintes livros: romances em "Ilha das Flores" e
"Evangelho Segundo a Solidão"; crônicas em "Crônicas
Sertanejas" e "O Livro das Palavras Tristes"; contos em
"Três Contos de Avoar" e "A Solidão e a Árvore e outros
contos"; poesias em "Todo Inverso", "Poesia Artesã" e
"Já Outono"; e ainda de "Estudos Para Cordel - prosa rimada
sobre a vida do cordel", "Da Arte da Sobrevivência no Sertão -
Palavras do Velho" e "Poço Redondo - Relatos Sobre o Refúgio do
Sol". Outros livros já estão prontos para publicação. Escritório do autor:
Av. Carlos Bulamarqui, nº 328, Centro, CEP 49010-660, Aracaju/SE.
Poeta e
cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
Se você gosta de ler histórias sobre "Cangaço" clique no link abaixo:
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário