Por: Rangel Alves da Costa(*)
A
NOITE, NA NOITE
Já passam das
dez da noite. Mais precisamente dez horas e seis minutos. E estas linhas
tortas, apressadas, gritando, desalentadas como as horas nuas. Horas mortas,
talvez.
Ontem a essa
hora estava chovendo. Hoje não. O tempo apenas nublado, com pingos perdidos
aqui e acolá.
Nem uma dose
de uísque, nem um copo de vinho, nem uma cerveja. Nada. Também não ouvi nessa
noite nada do que tanto gosto. Hoje silenciei Enya, o maestro André Rieu, não
ouvi qualquer música clássica.
Nem precisaria
dizer que ando entristecido, angustiado, solitário demais. Mas nenhuma novidade
em tais percepções, em tais sentimentos. É sempre assim, estou sempre assim, e
desde muito tempo.
Ainda cedo
rabisquei um poema. Depois que caiu a noite, nessa noite, me faltou
completamente a inspiração. Nem para escrever poema triste esse momento me tem
serventia. Mas queria escrever uma coisa bonita.
Meu chinelo de
dedo, minha vontade de ficar sempre descalço, não me deixa encorajado para sair
a lugar algum. Não frequento barzinho, balada nem saio por aí esperando que
qualquer coisa aconteça.
O caminhar
pelas ruas apresenta mais perigos do que prazer; as igrejas estão fechadas; o
banco da praça não recebe mais namorados nem ninguém para falar sozinho, dizer
a si mesmo que a noite também é do louco.
Meus olhos
quando passeiam não vão além da miragem da lua. Lanço meu olhar em meio à
escuridão e me faço noite completa após avistar tanta lua. Mas hoje é de
horizonte nublado, turvo, sem lume que atice a esperança.
Daí em diante
reconheço a noite sem lua como único destino para a convivência com o que virá.
Que bom se fechasse a porta e a janela e ficasse sozinho, que as quatro paredes
limitassem as dores existenciais. Mas não, pois logo receberei as visitas de
sempre.
Mais
tristemente ainda vou reconhecendo os visitantes que vão chegando, em silêncio,
sorrateiramente. Como sempre acontece, sempre fazendo de conta que fazem o que
querem na minha moradia, que entram sem pedir licença, que se apossam do que
querem, que podem se instalar de vez.
E conjuntamente
estarão dentro de mim, povoando o meu momento, realmente fazendo o que querem
do meu instante, me tornando cada vez mais fragilizado. E vejo o silêncio, a
solidão, a aflição, a angústia, a melancolia. E todos dizendo agir em nome do
sofrimento.
Não bastassem
os incômodos visitadores, logo sinto a janela se abrir e a brisa da noite
entrar acompanhada das saudades, das relembranças, das recordações, de imagens
e miragens de dias e tempos idos. Outros que chegam para aumentar os tormentos.
E por todo
lugar se espalham as fotografias, os rostos, os semblantes, os sorrisos, os
gestos, os passos, as palavras, tudo aquilo que me traz sofrimento pela
recordação. E o vento da noite parece ecoar a melodia tema do que está sendo
revivido.

Sempre assim.
Toda noite é assim. Quem eu queria que estivesse agora comigo um dia partiu sem
dizer do retorno. Perdi seu endereço porque não sei mais procurar o que seja
impossível reencontrar.
Se aqui
estivesse, talvez a falta de lua fosse suprida por uma vela acesa no meio da
noite. Uma vela acesa e uma palavra amorosa, um toque de amor, uma gestação de
felicidade, uma certeza de que certos momentos traduzem o prazer em viver.
Mas não. Nada.
Apenas a noite na noite, a noite sem lua, sem vela acesa, sem a palavra do
coração. A noite sem ela, a noite que é minha e com toda a escuridão que vier.
Mais tarde já
estará muito tarde, já será madrugada. Que bom que o alvorecer apagasse de vez
os resquícios da noite. Dessa e das vindouras. Meus olhos pesam, meu corpo
inteiro se sente cansado de todas as lutas. Noite senhora de todos os
confrontos, todas as guerras.
O gato já mia
no telhado. Um pedaço de lua caiu lá na rua. Não tenho mel nem ninguém para
querer pedaço de lua. Vou tentar dormir um pouco. Não há outra coisa a fazer
para fugir do instante de todo instante. Não sei a hora, mas o sono virá.
E me vem agora
uma dúvida: será que ainda posso sonhar?
Biografia do autor:
(*) Meu nome é
Rangel Alves da Costa, nascido no sertão sergipano do São Francisco, no
município de Poço Redondo. Sou formado em Direito pela UFS e advogado inscrito
na OAB/SE, da qual fui membro da Comissão de Direitos Humanos. Estudei também
História na UFS e Jornalismo pela UNIT, cursos que não cheguei a concluir. Sou
autor dos eguintes livros: romances em "Ilha das Flores" e
"Evangelho Segundo a Solidão"; crônicas em "Crônicas
Sertanejas" e "O Livro das Palavras Tristes"; contos em "Três
Contos de Avoar" e "A Solidão e a Árvore e outros contos";
poesias em "Todo Inverso", "Poesia Artesã" e "Já
Outono"; e ainda de "Estudos Para Cordel - prosa rimada sobre a vida
do cordel", "Da Arte da Sobrevivência no Sertão - Palavras do
Velho" e "Poço Redondo - Relatos Sobre o Refúgio do Sol". Outros
livros já estão prontos para publicação. Escritório do autor: Av. Carlos
Bulamarqui, nº 328, Centro, CEP 49010-660, Aracaju/SE.
Rangel Alves
da Costa
blograngel-sertao.blogspot.com
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