Por Rangel Alves
da Costa*
Aylan Kurdi, o
seu nome. Três anos, a sua idade. No dia 02 passado foi encontrado morto nas na
praia do Bodrun, ao sul da Turquia, com a face voltada para as areias molhadas.
Pele clara, cabelos baixos, camisa vermelha, bermuda azul e sapatos. Na posição
em que foi encontrado, é como se estivesse apenas adormecido em cima do avanço
e recuo das ondas. Mas não, está morto.
A fotografia
de Nilüfer Demir/Associated Press logo se espalhou pelo mundo e acendeu uma
comoção sem igual. Mas que não é suficiente dolorosa e realista para comover os
responsáveis pelo surgimento daquela cena até então impensável num ser humano
daquela idade. Não fosse a dramaticidade da cena, poderia se imaginar uma
marina onde um menininho dorme na beira de mar sonhando com um castelo de
areia.
O castelo de
areia estava no sonho da fuga de todos aqueles que estavam na frágil embarcação
que não suportou a travessia imigratória. E no barco de refugiados que
naufragou não estava apenas Aylan, mas também sua mãe, seu irmão e mais nove
pessoas. Apenas um barco dentre tantos que somem nas águas daquela região
conflagrada pelo medo e pela desesperança.
Fugindo das
atrocidades sírias, adentrando nas águas turcas na tentativa de encontrar
alguma segurança nas terras gregas, e daí buscar o exílio noutro país, o barco
em que estavam acabou naufragando e quase todos morreram afogados. O pai de
Aylan conseguiu sobreviver para enterrar os seus e ter de suportar não só a
perda da família como as agruras e bestialidades do mundo que o cerca.
Uma cena
terrivelmente triste, demasiadamente impressionante, de causar dificuldades
para acreditar que aquilo fosse verdade: as ondas levemente avançando, molhando
a cabeça e o corpo do menininho e recuando. Avançando, beijando a face e
voltando. Avançando, despejando suas lágrimas sobre o menininho e recuando.
Seria assim o sono da morte infantil?
A que patamar
conseguiu-se alçar a vida humana? Agora são pessoas, famílias, crianças,
inocentes, que são jogadas sem vida nas beiradas de praia do mundo, como se
fossem peixes mortos pela química assassina, golfinhos ensanguentados pelas
redes sedentas, baleias e tubarões que são trazidos boiando com marcas de
arpões. Mas dessa vez não era peixe morto nem entulho, mas Aylan!
Será que a
causa de tamanha brutalidade estaria somente nas guerras que se alastram pelo
mundo, nas perseguições às minorias, nas tiranias dos governantes, nas forçosas
migrações e nas tentativas de salvar a vida a todo custo, ou a outro
destinatário poderia recair a responsabilização por tamanha desumanidade?
Logicamente
que dentre as causas para que centenas de pessoas tentem fugir todos os dias de
seus países de origem estão o contínuo estado de beligerância, os ataques
premeditados a grupos étnicos, o preconceito exacerbado, a repressão política e
religiosa, a pobreza e outras ameaças de todos os tipos, mas não se devendo
esquecer que tudo nasce do homem. Foi a humanidade insensata e insensível que jogou
Aylan naquela beira de mar.
Na fuga
desenfreada, na necessidade premente de sobreviver ao caos, eis que milhares
acabam fazendo do Mediterrâneo um leito de salvação. Ou de morte, como
aconteceu com o pequenino Aylan e parte de sua família. Buscar refúgio em
terras distantes, ainda que não haja outra saída à sobrevivência, é o mesmo que
correr entre fogos cruzados: a vida sempre está por um triz. E se as águas se
tornam caminhos, então acontece o pior. Até quando vai acontecer assim?
Em meio à
indescritível dor Abdullah Kurdi, o desolado pai, ainda encontrou palavras para
dizer: “Quero que o mundo inteiro nos escute e veja onde chegamos tentando
escapar da guerra”. Mas impossível não avistar o seu menininho como uma garrafa
que chega às areias da praia trazendo um pedido de socorro ou uma mensagem de
paz.
Ou talvez
apenas para dizer assim: Quando acordarei ou quando a humanidade vai acordar?
Poeta e
cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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