Por Rangel Alves da Costa*
Ele nunca gostou de inseto. Tinha
aversão por qualquer um que avistasse próximo a seus pés ou pelos arredores. E
assim, desde pequenino foi criando verdadeira inimizade por barata, grilos,
gafanhotos, besouros, moscas, abelhas, mas principalmente por formigas. E
depois de adolescente ficou conhecido como carrasco de todas as espécies da
família formicariidae.
Logo se espalhou sua fama de
matador de formigas. E um exímio matador com requintes astuciosos de completa
dizimação. Tanto matava esfarelando as bichinhas debaixo da sola do sapato,
como decepando a cabeça com gilete ou mesmo a pedradas ou dentadas. Sim, pois
de repente ele escolhia uma maior e a levava até a lâmina dos dentes afiados.
Matava, jogava o corpo fora e saboreava a cabeça.
A maioria de seus amigos aprovava
tal forma de tratamento às formigas. Dizia que já que ninguém cuidava de
dizimar aquelas malditas que se espalhavam feito praga e devoravam plantações
inteiras, não havia como deixar de reconhecer aquele justiceiro diferenciado. E
por isso que toda vez que um formigueiro era encontrado, logo o matador era
avisado para tomar as devidas providências. E no outro dia só restava um
esfarelamento de insetos secando no meio do tempo.
Contudo, ao ficar sabendo dessa
história de judiação contra aqueles pequeninos insetos exemplos de trabalho, de
força, de luta e organização social, o velho sacerdote do lugar mandou
imediatamente chamar o acusado à sua presença, pois precisava ter com ele uma
conversinha particular no confessionário. Recebeu o chamado enquanto mastigava a cabeça de duas saúvas e já se encaminhava raivoso em
direção a um formigueiro. Mas o que será que quer comigo aquele cabeça de
quenquém, perguntou a si mesmo o algoz formiguento.
“Meu filho, infelizmente vejo que
é ainda muito jovem para já estar comprometido com esse tipo de asneira. Tão
novo e cheio de vida e já um cruel assassino de formigas. Decerto que elas são
um incômodo a muita gente, pois famintas demais e devoradoras de tudo. Eu mesmo
tenho sofrido com suas presenças aqui na igreja. A sacristia está repleta
delas, que não deixam nem meu pão nem meu cálice de vinho sossegados. Mas fazer
o que se também são filhas de Deus e precisam viver, não é mesmo? Então,
peço-lhe encarecidamente que abdique dessa vida de crueldade e permita que as
pobrezinhas rastejantes continuem vivendo. Ademais, saiba que matar formiga é
pecado mortal e aquele que assim procede vai ser pinicado pela eternidade após
a morte. Por que, ao invés de matar formigas, não vai caçar borboletas ou mesmo
colher flores do campo? Por fim, saiba que quem mata uma formiga também pode
matar um homem, que tira uma vida tão indefesa não respeita a vida de qualquer
pessoa. Mudando desse hábito incomum certamente será bem visto aos olhos de
Deus e será perdoado. Agora vá, mas logo me retorne com as boas novas!”.
Antes de sair perguntou ao
vigário onde ficava a sacristia. Informado sobre o local, apenas olhou na
direção e saiu rangendo os dentes. No dia seguinte, espantado, o vigário se deu
conta de que não havia mais uma formiga sequer. E logo se benzeu imaginando o
pior. De fato, naquela manhã, enquanto celebrava missa, o instintivo rapaz
pulou a janela e fez a festa da crueldade. Não só matou todas as formigas como
saiu de lá de barriga cheia de tanto mastigar cabeça.
Nunca mais retornou à sacristia
para dar as boas novas. Não merecia, pois continuou implacável com as formigas.
Mas quando o asfalto chegou ao lugar e os roceiros e donos de casa passaram a
lançar mão de produtos químicos para acabar com as formigas e formigueiros,
então ele se viu desalentado, cheio de tormentos sem mais saber o que fazer.
Sua vida era matar formigas e agora se via impossibilitado de encontrar uma
sequer para dar vazão ao seu instinto cruel.
Começou a ter sonhos terríveis,
pesadelos alucinantes. Via-se sendo jogado num formigueiro e as formigas
famintas dizendo que agora era a sua vez. Então lançou mão de uma cumbuca e
todos os dias caminhava seguia muito distante em busca de formigueiros. Quando
os encontrava, colocava a cumbuca na entrada da colônia, enchia de formigas e
depois retornava feliz.
Já em casa, abria a cabaça e
deixava que os insetos se espalhassem ao redor. E assim foi povoando seus
arredores com milhões de formigas. Mas não mais para matá-las. Apenas como
penitência e reparação das atrocidades cometidas. Tinha medo de morrer e ficar
recebendo ferroadas pela eternidade.
Poeta e cronista
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