Por Rangel Alves
da Costa*
Para muitos,
principalmente entre seus fanáticos fiéis e seguidores, Antônio Conselheiro não
era apenas profeta, beato, insurgente, mas verdadeiro santo. Para outros,
contudo, um santo sujo, imundo, desprovido de qualquer higiene pessoal. Mas não
se cuida aqui de afirmar uma imundície no plano espiritual, moral ou mesmo
humana, mas tão somente dialogar, a partir de outros escritos, sobre o seu mau
costume de desprezar o asseio corporal e se apresentar sempre malcheiroso, sujo
e com piolhos livremente passeando pelos seus cabelos e barba.
Antônio
Conselheiro, ou Antônio Vicente Mendes Maciel de batismo, recebeu muitas
alcunhas, sendo a de Conselheiro a mais famosa, eis que mestre no
aconselhamento ante os problemas trazidos pelo povo sertanejo. Também muitas são
as características disseminadas na sua figura. Dependendo do contexto em que é
tratado, pode ser avistado como líder espiritual, missionário, ascético,
místico levado a santidade, guia de um povo sofrido, profeta dos males do
mundo. Ou simplesmente como um assassino, louco, psicopata, farsante,
escravizador de desvalidos. Também comumente chamado de santarrão, falso beato,
espertalhão se fingindo de profeta para ludibriar um povo na desvalia de tudo.
E ainda de seboso e imundo. Estas últimas características não passaram
despercebidas por escritores e jornalistas.
Como será
demonstrado, testemunhos dão conta do jeito renegado de ser desse líder
messiânico. Talvez desprezando a materialidade mundana ou sem dar a menor
importância à aparência ou asseio, a verdade é que o peregrino das vastidões
nordestinas arregimentou ao seu lado não apenas seguidores humanos, mas também
insetos capilares, pulgas e outros parasitas que passeavam pelo seu corpo e
roupão tomado de imundícies. Ao menos é o que afirmam, discordando do próprio
Euclides da Cunha.
Neste sentido,
Adelino Brandão, no livro “Paraíso Perdido”, diz que Euclides não compartilhava
da ideia que lhe passaram de ser Antônio Conselheiro um tipo asqueroso e
imundo. Ao invés da sordidez imaginada, ao invés de um rosto esquálido agravado
no aspecto repugnante por uma cabeleireira mal tratada onde fervilhavam vermes,
emolduram-lhe a face magra e macerada, longa barba branca, longos cabelos
caídos sobre os ombros, corredios, cuidados. (São Paulo: Ibrasa, 1996, pp.
116-7). Mas há muitas divergências quanto a tal assertiva.
Cuidando da
peregrinação do Conselheiro pelos sertões sergipanos, assim o menciona o jornal
estanciano O Rabudo: Esse misterioso personagem, trajando uma enorme camisa
azul que lhe serve de hábito a forma do de sacerdote, pessimamente suja,
cabelos mui espessos e sebosos entre os quais se vê claramente uma espantosa
multidão de bichos (piolhos). Distingue-se pelo ar misterioso, olhos baços, tez
desbotada e de pés nus; o que tudo concorre para o tornar a figura mais
degradante do mundo. (O Rabudo, 22 de Novembro de 1874)
No livro
“Gotas de Reflexão”, no capítulo intitulado Massada Sertaneja, o escritor
Alberto Gonçalves assim se refere ao líder messiânico: Com feições austeras,
sujo, açoitado pelas intempéries, uma vasta cabeleira negra imunda, a roupa
surrada de brim a lamber as sandálias de couro e um solene cajado nas mãos,
mantinha-se igual, porém iluminado, um intransigente defensor dos humildes,
sempre pronto a profecias, orações penitências (Gotas de Reflexão, 2011, p.
98).
Citando um
artigo publicado no jornal o Estado de São Paulo em 17 de março de 1897,
Rogério Souza Silva, no livro “Antônio Conselheiro: a fronteira entre a
civilização e a barbárie”, assim transcreve: Mas é preciso que nos convençamos
de vez que os conselheiristas, os primitivos fanáticos do cretino e imundo
apóstolo do sertão baiano, cercam o messias bandido e, cegos, obedecem à sua
voz, davam por ele a vida, mas, sempre a seu lado, sempre bebendo a água
inspiradora em que lavava o balandrau gorduroso de seu pregador. (São Paulo:
Annablume, 2001, p. 95).
O historiador
José Calasans, citando depoimentos acerca do Conselheiro, transcreve as
observações feitas por Genes Fontes em 1897: Pálido e magro – de magreza
esquelética –, alto, com os cabelos compridíssimos, enfiado em uma túnica azul,
a cuja cinta estava atado um cordão de frade franciscano, do qual pendia um
crucifixo... Na cabeleira via-se o pulular dos piolhos... Se a cabeça era
assim, as mãos sujas, as unhas compridas e sórdidas; tudo completava a sua
nojenta figura. (http://josecalasans.com/downloads/artigos/45.pdf). Já o poeta
Filipe Cavalcante, em versos intitulados “Antônio Conselheiro”, assim se refere
na primeira estrofe: Barbudo, maltrapilho, triste e imundo, vagava errante como
um ermitão. Um louco, por fugir da dor do mundo; um santo, por pregar a
salvação.
Talvez
Euclides estivesse com razão, mas os demais não fogem à verdade. Tudo
dependendo do contexto de análise. Ora, o Conselheiro euclidiano já não era o
beato caminhante pelas empoeiradas distâncias nordestinas. Já estava assentado
na sua Canudos, no seu arraial. Portanto, tendo muito mais tempo de cuidar de
seu asseio. Logicamente que numa situação muito diferente daquela onde noite e
dia caminhava por cima da terra, em meio ao barro e pó, num sertão de sequidão
e suor. A sujeira encontrada certamente que logo o impregnava. O que não
justifica, porém, ter de abdicar de qualquer tipo de higiene. Aí era imundície
mesmo.
Poeta e
cronista
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