Por Rangel Alves
da Costa*
A cada nova
noite mais tenho saudade da noite antiga. Não que eu seja tão velho assim, não
que eu tenha alcançado a canção da lua imensa nos tempos passados, simplesmente
porque o noturno de hoje nada mais possui que encante.
Sim, no alto
uma lua, na noite um céu estrelado, mas nada igual a outros idos. Noites de
magia, de encantamentos, de silêncios coniventes, de encontros furtivos, de
beijos roubados, janelas entreabertas e luzes apagadas.
Noites velhas
de andantes, errantes noturnos, noctívagos cheirando a limão. A voz ecoando
serenatas para a mulher amada, sombras detrás das cortinas com lágrimas nos
olhos e apertos no coração. E uma aragem perfumada que descia a montanha para
alentar os corpos afogueados de paixões e desejos.
As ruas
desertas se abriam para outros caminhos. Os passos certeiros buscavam os
escuros da escuridão e os braços se davam sem a palavra tomada de beijos.
Pecado mortal a traição, mas salvação da alma a entrega absoluta ao amor tão
escuso como verdadeiro. E os lobos uivando nos altos das montanhas tomavam as
vozes gritando de amor.
Ruas desertas,
praças desertas, bancos solitários, luzes amareladas caindo sobre o misterioso
deserto. Mas tudo tão vivaz como o próprio dia. Dizem que na noite tudo
acontece entre sombras, pois entre brumas escurecidas os gritos silenciavam em
cumplicidade total. Por isso que luzes se acendendo e se apagando pelos
quartos, janelas sendo abertas e fechadas, velhas canções somente ouvidas pelos
corações.
Noites velhas
e tão belas. Romantismo e poesia, ternura e meiguice. O vento soprando e
trazendo segredos, cartas relidas e fotografias beijadas, diários sentimentais
de um tempo sem véu ou disfarce. Não, jurou que jamais choraria aquela saudade
eterna, mas eis que a lua entrando na fresta parece um olhar refletindo o amor.
As moças
solteironas aumentavam suas febres em noites de lua cheia. Nem a nudez
castigada aplacava-lhes os desejos incontidos. Com fogo sobre o corpo e chamas
no coração, se lançavam aflitas num mar de lágrimas e de sofrimentos. E nem a
noite escondia a tremulidade dos lábios sedentos de beijos.
As janelas
eram abertas sem medo de surpresas indesejadas. Debruçadas no umbral, as
solidões inventavam motivos para suportar tanta dor. Ao longe uma canção sem
acorde e sem voz. Apenas a harpa da brisa chegando para dizer não sofra. Tudo
como o poema drummondiano: vamos, não chores, a infância está perdida, a
adolescência está perdida, mas a vida não se perdeu...
Os gatos
passeavam pelos telhados em noites assim. Seus miados agourentos, seus mios
apaixonados. Quase tudo encontrava um amor, até na imprevisibilidade das
telhas. Mas os quartos abaixo, com camas desforradas e lenços molhados, as
saudades e as solidões se entregando apenas ao mais escurecido da dor.
Lá fora, ao
longe, as luzes vermelhas cheirando a sexo. Mas nem sempre assim. Ao redor duma
mesa uma velha prostituta espera eternamente um homem. Qualquer um. Bebe mais
um gole e deixa as bordas avermelhadas de um batom desde muito não tocado por
outra boca. Num canto, esperando cliente, a rapariga novinha sequer imagina que
o espelho de seu futuro está mais adiante.
De vez em
quando as nuvens escondiam o luar e as noites se tomavam de breu. Não havia nem
olhar nem vozes, não havia nem sombras nem encontros, não havia nem passos
apressados nem reencontros, apenas sussurros, gemidos, uma estranheza de
pronúncias que somente o desejo e o prazer entendem.
Quando a
madrugava chegava, a noite já estava cansada de existir. Havia se dado demais,
se entregado demais, amado demais. Mas também sofrido e chorado demais. E ainda
assim permanecia até a manhã despertar fazendo de conta que não sabia de nada.
Poeta e
cronista
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