Por Rangel Alves da
Costa*
Não sou além
do que sou. Sou o contentamento que sempre me aconselha a conhecer meus limites
e desejar ser apenas aquilo que posso ser.
Não sou além
de mim nem de ninguém. Sou o corpo, a mente, a alma, o espírito e essa chama
chamada vontade de vida. Do outro apenas compartilho o que a mim pode somar.
Não sou além
do fogo e da água, do sonho e da desesperança, da vitória e do recomeço. Desta
contradição ou reconhecimento, sempre o alimento para renascer.
Não sou além
daquele que não me conhece ou do conhecido que quer ser mais do que sou. Faço
da humilde um reconhecimento e dos pés no chão a certeza que posso ter asas.
Não sou além
da lua nem do sol, mas sou muito além da lua e do sol. Sou o que desejo ser e
se quero ser além dos astros, nada me impedirá de buscar a alegria da ilusão.
Não sou além
da fome nem da sede, nem da carência e do desejo. Humano sou, e por ser assim,
um tanto desvalido e um tanto tudo, não nego a necessidade de ter algo a mais.
Não sou além
daquele mais empobrecido ou daquele mias rico. Permaneço no próprio chão e se
tiver de caminhar, certamente será na direção daquele que mais precisa.
Não sou além
duma manhã de poesia nem de uma noite dilacerante. Tudo me soma e me conforta,
me faz sorrir e sofrer, me faz aprender a ser aquilo que necessito ser.
Não sou além
daquele pássaro de fogo nem daquele colibri procurando beijar o pólen. Não fujo
nem de angústia nem da flor, faço do espinho uma beleza que faz ferir e doer.
Não sou além
de uma criança que sequer pensa em crescer. Não deixo que a minha mente pense
somente em coisas adultas e se esqueça da bola de gude, do boizinho de barro.
Não sou além
da lágrima que pela face escorre nem do lenço que recolhe a dor. Sou a face
molhada que não finge o sentimento, mas também o refazimento para mais chorar.
Não sou além
de um mar imenso, de ondas teimosas, de distâncias infindas. E navego sem saber
navegar, me lanço no azul sem saber nadar, pois há sempre uma ilha de salvação.
Não sou além
dessa tristeza que me chama a sofrer, a chorar, a beber do fel da existência.
Não serei alegre se não fizer do espelho da dor uma imagem de transformação.
Não sou além
da chuva caindo, das noites de temporal. Não posso fugir das enxurradas, dos
dilúvios. Mas hei de suportar todo furioso mar que vier como sofrimento.
Não sou além
do pão de esmola ou da comida servida à boca faminta. Não sou além dessa
degradação do ser. Eis que o que somos não nos faz distantes da mesma carência.
Não sou além
de mim mesmo quando quero ser outro. Como tenho o outro dentro de mim, basta-me
que reconheça no que sou aquilo que no outro desejaria encontrar.
Não sou além
da taça quebrada e do vinho derramado pelo tapete. O vermelho que jorra me faz
lembrar quanto vã é a vida. E só se derramou porque houve exagero no saborear.
Não sou além
do sonho alcançado nem da esperança nas cinzas. Tudo haverá de acontecer, mas
não no instante do desejado. Há o tempo de Deus que é o tempo de tudo.
Não sou além
do grão ou da montanha. Não sou além da poeira nem do deserto em brasa. Sou
apenas o vento que passa e leva consigo o grão para montanhas construir.
Não sou além
desse silêncio, dessa solidão ou desse vazio. Tudo será preenchido com vida e
voz assim que a janela se abrir e o cais adiante murmurar um chamado de
existência.
Não sou além
de um poeta sem versos ou de um bardo apaixonado declamando em meio a brumas.
Sei que não há poesia sem que haja um coração que ouça o seu silêncio.
Não sou além
desse alguém sem nome, sem identidade, sem destino certo. Quem caminha vai
deixando pra trás o que não quer mais ter e sonha com um amanhã só seu.
Não sou além
dessa palavra vazia nem desse grito mudo. Mas sei que do silêncio saio para ser
voz naqueles que compreendem quanto angustiante é a mudez da solidão.
Poeta e
cronista
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