Por Rangel Alves
da Costa*
Os motivos são
mais que óbvios, por isso vou morar no meio do mato. Quem gosta de cidade é
fumaça, buzina, asfalto, barulho, violência, arrogância, brutalidade. E não sou
estátua para suportar tudo isso.
Já caminhei
demais por suas estradas, suas ruas, suas entranhas. Já esperei demais o sinal
fechar para seguir, já me desgastei demais esperando o atendente para informar,
já cansei demais em filas e mais. Por isso vou morar no meio do mato.
Cansa conviver
com o mesmo nada, com a mesma pressa, com o mesmo passo, e para lugar algum.
Não há destino que alegre a alma, cative o coração, torne o olhar um poeta e o
coração um apaixonado. Tudo frio, tudo vazio. Por isso vou pro meio do mato.
Conviver com a
cidade não foi uma experiência boa. Pensei que as pessoas poderiam ser
cordiais, imaginei que de vez em quando um sorriso surgisse numa face qualquer,
pensei que poderia esquecer o portão aberto. Mas em tudo a desilusão. Por isso
vou morar no meio do mato.
Na cidade nada
é de seu dono. Na cidade tudo é do outro, do bandido, do assaltante, do
marginal. Ele tem a chave da porta, tem a chave do carro, tem a mão para afanar
o que quiser. Ele tem a faca, tem a arma, tem a ameaça, tem tudo para a prática
do mal. E o que possui o cidadão?
Não, não fico
mais aqui, vou embora pra longe, vou morar no meio do mato. A cidade também tem
muito bicho, mas de uma linhagem diferente. Pelas ruas é fácil encontrar
jumento, burro, cachorro, gambá, lobos famintos. Bicho estranho tem um bocado,
tem até demais. Também sucuri e caninana.
As cidades
crescem, se desenvolvem, e se diminuem em tudo. Falta afeto, falta amizade,
falta companheirismo, falta fraternidade. Cada um por si e todos contra todos.
Não vivo numa guerra assim, não quero mais viver jogado às feras. Quem uiva com
os lobos que viva sua solidão. Eu não.
Ademais, sou
pássaro vindo de outro ninho e bem distante daqui. Sou quase um forasteiro que
não quer mais ficar, até mesmo porque a permanência vai sangrar os meus sonhos,
acorrentar minhas esperanças e mortificar meus desejos. Preciso de uma porta e
de uma janela e não de cimento encobrindo a vida.
Preciso
pensar, preciso refletir, preciso viver. Preciso estender a cadeira de balanço
debaixo do sombreado e esperar a brisa da tarde chegar. Preciso tomar café
torrado feito em fogão de chão, preparar cuscuz de milho ralado e saborear da
manteiga da terra. Nada disso encontro aqui, e se tem é falsificado como o
viver.
Preciso
acordar cedinho e caminhar pelos campos, cortar veredas, colher o araçá bem
distante. Há uma fonte ou um riachinho, e também uma pedra grande onde o corpo
estendido esquece tudo ao redor para encontrar a paz. Ouvirei um canto
passarinho, avistarei um calango correndo ao redor, cantarei a canção da
existência a cada alvorecer e anoitecer.
Não, não irei
para Pasárgada e lá ser amigo do rei. Não, não irei para Macondo e lá ser amigo
dos Buendía. Não, não irei a nenhum lugar idílico ou fantasioso. O que quero
ter é chão de verdade e a certeza de que algum sossego ainda existe em meio ao
caos da existência.
Uma rede de
armar, uma esteira de chão, um caderno de riscado, um radinho de pilha. A lua
que desce, o sol que se espalha, tudo me satisfaz. Não quero nada além de dias
preguiçosos, lentos, sem pressa alguma. Não quero nada além de poder adormecer
e sonhar apenas com o possível de acontecer.
Já sinto o
calor ensolarado do dia e a aragem do entardecer. Na noite uma frieza boa de
abraçar a lua e contar vaga-lumes como se fossem estrelas. E buscar na voz do
silêncio qualquer canção que seja de louvação daquele mundo que quero ter.
Poeta e
cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
Se você gosta de ler histórias sobre "Cangaço" clique no link abaixo:
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário