Por Rangel Alves
da Costa*
Bem verdade
que ninguém pode se arvorar de ter o juízo perfeito, de viver no uso e fruição
das plenas faculdades mentais. Tanto é assim que de vez em quando a pessoa tida
como de mente sadia comete loucura tamanha de deixar indignado o verdadeiro
doido de pedra.
Daí que plena
razão na assertiva de que todo mundo é louco na sua capacidade de cometer
loucura. Uns se desatinam a qualquer momento e até sem motivos, outros ainda
toleram muito até ensandecer de vez. De qualquer modo, sempre perigoso demais
conviver com gente assim. Mas o pior é que todo mundo é assim.
Contudo, ao
lado dessa loucura social, indistinta entre todos, há ainda a loucura enquanto
distúrbio mental. Desajuizado, doido, maluco, louco, tanto faz o termo que se
use, ainda que a psiquiatria veja algumas sutilizas diferenciadoras. Seja de
que jeito for, é no maluco reconhecido ou no chamado doido de pedra (ainda que
não arremesse sequer uma flor) que reside um instigante mundo sempre
desconhecido aos que vivem ao redor.
Já li em algum
lugar que toda cidade que se preze há de ter um maluco para simbolizar o seu
outro lado insano. Com razão, difícil não encontrar uma povoação onde não haja
um doido conhecido e apontado por todos. Ah, o doido, o doido deve estar em
cima da pedra grande fazendo careta a quem passe, deve estar trancado no seu
quarto depois de ter conversado com os seres que povoam sua mente, deve estar
agora de braços abertos querendo voar até a lua.
Doido, maluco,
insano, era o que não faltava na povoação sertaneja onde nasci. Aliás, Poço Redondo
talvez seja o município que melhor trata os seus doidos. Nada que se relacione
com internação ou medicação especial, mas pelo tratamento cordial que cada
desajuizado recebe. Não sei como são tratados os doidos de hoje, mas
antigamente o afetado mental possuía convívio humanizado e afetuoso, ainda que
suas retribuições de vez em quando fizessem um ou outro correr medrosamente.
Recordo,
dentre muitos, de Tonho Bioto, Nalvinha e Tonho Doido. João da Bicha só dava
para endoidar quando abandonava por uns tempos seus ofícios de mandingas e
macumbas e se danava a beber cachaça. Transformava-se completamente, encontrado
de vez em quando incorporado em entidades, mas sempre um caboclo cachaceiro.
Não era de Poço Redondo, mas um dia chegou e foi ficando. Era muito procurado
por gente que não tinha o que fazer e, ao invés de se voltar para as forças
divinas, preferia ir encomendar maldades para desamores e desafetos.
Tonho Bioto
não era doido, até endoidar de hora pra outra, e já no caminho de envelhecer.
De família numerosa na região, morava sozinho numa casa de cipó e barro nos
arredores da cidade. Vivia num pêndulo entre o equilíbrio e a perda total do
juízo. De vez em quando se apresentava com aspecto normal, mas noutras vezes
até perigoso e ameaçador. Falava muito sozinho, mas também agia de forma
ameaçadora. Fato interessante é que seu estado de equilíbrio permitia que
fizesse balas de mel ou açúcar e vendesse pela cidade. Conheço gente que
comprava por medo e chupava tremendo as pernas.
Toinho Doido
também não era da região, mas andante enlouquecido que chegou a Poço Redondo,
foi bem acolhido e acabou fixando moradia. Era um negro alto, de dentes alvos e
fortes. Tão fortes que mastigava pedra como se estivesse mordendo uma bolacha.
Além do aspecto mental, também carregava em si o desatino de epilepsia. De vez
em quando era atacado pela doença e ficava à mercê de um e de outro. E sempre
era servido pela população, que até providenciou um quartinho para sua moradia.
Aí viveu até se findar ainda novo.
Nalvinha foi
contemporânea de Tonho Doido, e a rapaziada até quis fazer o casamento dos
dois. Era moreninha, baixinha, simpática, mas sem um pingo de juízo na cabeça.
Não jogava pedra nem ameaçava, mas de vez em quando era vista correndo de canto
a outro. Outro que não era de Poço Redondo, mas de vez em quando estava por lá
era
Há ainda Mané
Doido. Mas Mané de Elenita não é doido. Hoje é um rapaz que simples continuou
criança. No seu jeito simples de ser, atendendo a todos, correndo para ser
prestativo. Uma pessoa querida de todos. Se todos os doidos fossem iguais a ele
o mundo seria de paz.
Poeta e
cronista
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