sexta-feira, 12 de junho de 2015

ALGEMAS

Por Rangel Alves da Costa*

Na história da humanidade, o homem sempre temeu perder a liberdade, tornar-se escravizado e, consequentemente, ficar à mercê de correntes, grilhões e algemas. Mesmo que primitivamente a noção de homem como ser livre por natureza estava apenas enraizada na consciência de cada um, sem a proteção legal posteriormente surgida, a defesa da liberdade repousava no temor das injustiças, da dominação do poder sobre o homem e principalmente na negação da vida pela fragilidade de alguns.

Temor plenamente justificado. Sempre foi desejo nefasto do ser humano, revelado ou não, querer submeter o próximo, escravizar o outro, ainda mais quando este em situação desfavorável pela cor ou raça, pela condição social, pelo estado de marginalização imposto. O homem ao jugo do homem como se alguns tivessem nascido para ter o poder de violação da vida dos demais. E quando caído nas mãos dos algozes, o submetido outra coisa não podia esperar senão a degradação da vida pelo abuso, pela violência, pela força, pelo sangue derramado.

A verdade é que o poder insano nunca se contentou em apenas perseguir, retirar direitos ou isolar aqueles que tidos como classes inferiores ou máculas da sociedade. Sempre foi além, sempre agiu da forma mais desumana possível. Hitler não se contentou em perseguir judeus, pois preferiu aniquilá-los nos campos de concentração. Stalin não mandou para presídios seus desafetos, mas sim para a morte certa nas torturas siberianas. O ditador sírio atual, Bashar al-Assad, não persegue grupos étnicos contrários ao seu regime, condena-os à morte em massa com ataques químicos.

A perseguição a minorias e a grupos tidos como culturalmente inferiores, sempre fez parte da ação humana. Mesmo com a adoção por países e governantes de princípios como os contidos na Declaração Universal dos Direitos Humanos, na tentativa de ter respeitados os direitos básicos e as liberdades do ser humano, os povos jamais estiveram protegidos dos sadismos dos ditadores, tiranos e outros governantes ensandecidos pelo poder. E as barbáries continuam quase como políticas de governo.


Os governantes modernos são ainda mais exemplares nas perseguições àqueles que desejam ver submetidos ao seu império egoísta, pois possuem muito mais mecanismos de execução. Enquanto alguns ainda mandam para paredões ou para morte por asfixiamento, outros se esmeram em produzir os resultados desejados sem provocar a ira dos organismos internacionais de defesa dos direitos humanos. E utilizam até as injustiças contidas em muitas leis para justificar seus abusos.

São realmente muitos os mecanismos de violência, tortura e perseguição, utilizados pelos governos contra o povo e categorias sociais ou profissionais que se rebelam contra suas políticas. Não admitem ser contestados ou cobrados pelos abusos cometidos ou direitos violados, e logo começam a tratar pessoas ou grupos como verdadeiros inimigos. Não do governo que representam, mas de si mesmos, pois não há um só governante que egoisticamente não se imponha sempre acima de sua função.

É o egoísmo, o endeusamento de si mesmo e o menosprezo às necessidades alheias, que torna o governante em algoz da sociedade. E persegue quem contrariar os excessos de seu ego. Como dito, os meios para fazer valer seus ódios são muitos. Numa manifestação grevista não mandam seus agentes dizimar contestantes, não enviam blindados para disparar contra multidões, não enviam baionetas para cortar cabeças. Contudo, fazem pior. As violências que utilizam, seja simbólica, institucional, legal ou de simples desrespeito aos direitos das categorias, acabam provocando danos ainda maiores.

Só para citar um exemplo, toda vez que um governante deixar de reconhecer direitos de categorias profissionais e se utilizar do judiciário para impedir o direito de greve, estará não só confrontando a lei que não dá cumprimento como fazendo com que se julgue uma ilegalidade por um ato arbitrário que vem dando causa. Ademais, não é prudente que um judiciário julgue e reconheça a ilegalidade de uma greve – e apenas pelos parâmetros da essencialidade - se não lançar o olhar sobre o direito violado que redundou naquela greve.

Ou se pensa no todo, principalmente nos direitos violados que ensejam os movimentos paredistas, ou toda greve será considerada ilegal. Assim porque o governante tem sempre interesse de ter somente o seu direito reconhecido, mas nunca reconhecer o direito da categoria profissional. Daí que não precisa que o governante ordene que sua polícia aja como fez no Paraná, espalhando a violência de sangue contra os professores, pois basta que vá buscar no judiciário uma decretação de ilegalidade e assim submeter categorias profissionais. A violência é a mesma.

E não é sem razão que em vários estados as algemas vêm sendo utilizadas para simbolizar a opressão dos governantes. Grevistas não se acorrentam ou usam grilhões porque querem vivenciar na pele as dores sentidas pelos submetidos ao jugo escravocrata, mas para dizer de outros tipos de violências que contra eles estão sendo cometidas. E negar direitos não só oprime como aniquila pessoal e profissionalmente o explorado.

Poeta e cronista
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