Por Rangel Alves
da Costa*
Acordo na
madrugada à espera do impossível. Espero sempre que mais adiante o galo cante
despertando a vida, mas inútil esperar a voz da natureza ou de bicho de quintal
na cidade grande.
Diferentemente
do poema de João Cabral de Melo Neto acerca do galo tecendo a manhã e suas
implicações filosóficas, o galo que espero ouvir cantar é aquele mesmo
sertanejo, de quintal de ripa ou quem vai dar na mataria adiante. O canto
humilde, singelo, igualmente ao homem que logo abre a porta de trás para o
primeiro olhar ao seu mundo.
Não há galo
nem outro canto qualquer. Quase não há madrugada nem manhã, apenas um passar
corriqueiro das horas. Não há aquela magia do alvorecer sertanejo com o gorjeio
passarinheiro, as portas se abrindo, o cheiro bom do café. Daria meu reinado
por uma xícara de café torrado, daquele que Dona Lídia preparava nas tardes de
outros idos.
Também já
levanto com uma vontade danada de abrir a porta e sair caminhando pelas ruas
sertanejas, saindo do centro e indo em direção aos núcleos mais humildes que se
espalham ao redor. Nas vezes que amanheço no meu sertão, logo cedinho já estou
caminhando pelas ruas do São José, do Lídia, do Fernando Collor, da Praça Frei
Damião e muito mais.
Mas também
caminhando pelas margens do devastado Riacho Jacaré, meu querido riachinho, e
em cada passo sentindo angústia pela degradação encontrada. Esgotos que descem
dos conjuntos e formam poças fétidas e cheias de doenças. As pedras grandes não
existem mais, as matas ciliares foram destruídas ou deram lugar a chiqueiros
imundos.
Tudo isso
guardo na memória. E logo me vem a lembrança de quando o riachinho ainda era
bonito de se avistar e conviver e depois das trovoadas nas cabeceiras aquele
mundão de água escorrendo. A meninada tomando banho, se jogando das pedras, o
canto da passarada ao redor. As cheias ainda existem, o rio ainda faz seu
percurso, mas certamente não há mais aquela magia de outros tempos.
Ainda nas
manhãs, com o sol ainda escondido, eu atravessava ao outro lado da ponte e
colocava os pés num lugar que um dia foi reinado absoluto de Dona Tindinha e
família. Ali no alto, por isso mesmo chamado Alto de Tindinha, com vista
privilegiada sobre a cidade, se assentava um núcleo familiar que jamais pode
ser esquecido na história de Poço Redondo.
Hoje, tanto de
um lado da ponte como do outro, as antigas propriedades deram lugar a
loteamentos e novas moradias surgiram, umas suntuosas e outras mais humildes.
Por ali também se seguia para o Alto de João Paulo por uma estrada
completamente nua. Atualmente não há mais deserto, pois são muitas as
construções que surgem a cada dia.
Nas minhas
caminhadas matinais não atravessei o riacho em direção ao Alto de João Paulo, e
por isso mesmo não sei das grandes transformações ali surgidas. Mas da cidade é
possível avistar uma realidade completamente nova pelos arredores. Prefiro
ficar guardando na memória e na saudade a feição de antigamente.
O Alto de João
Paulo é de história viva. Relembro João Paulo sempre alegre, alto e sempre com
chapéu de couro à cabeça, apreciador de uma casca de pau. Proseador e amigo.
Contudo, sua importância no Alto se igualava a tantos outros que moravam
naquele lugar bonito. Local de moradia de Adília, a ex-cangaceira, dos Maximino
e tantas outras famílias de renome histórico na região. E nas suas proximidades
a moradia de Luiz Doce e de Galego, o ferreiro sem igual no ofício e na
amizade.
Desse modo,
sinto muita falta de um acordar com motivações para a vida. E não há viver
melhor que cortando as veredas do meu sertão, caminhando pelas estradas nuas,
dando bom dia a um e outro, reencontrando a verdadeira seiva da existência. E
disso concluo que a cidade, seja grande ou pequena, foi feita apenas para o
indivíduo se esconder. Eis que a liberdade somente é encontrada nos afastados e
esquecidos, perto do espinho e da flor.
Poeta e
cronista
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