terça-feira, 12 de maio de 2015

RETRATO ANTIGO DE UMA MOÇA TRISTE

Por Rangel Alves da Costa*

No velho álbum, na velha parede, na velha casa com flamboyant à calçada e jardim cinzento, há um retrato antigo de uma moça triste. Uma bela moça, porém, triste, muito triste.

Moldura antiga, de madeira de lei ornada à mão, mas já perdendo seu verniz pelo tempo, ali repousa o retrato após o vidro embaçado. A cor antiga perpassa um tênue amarelado, uma película da idade que vai enevoando lentamente.

Assim também no álbum de capa dura, belamente desenhada, com motivos floridos num jardim combalido e tão distante. Nele muitos retratos desde a infância à mocidade, mas numa fotografia, a maior e já avistada na contracapa, a moça com seu olhar longínquo e sua feição solenemente entristecida.

Retratos assim com uma moça assim hoje são difíceis de ser encontrados. Somente nos cartões postais de antigamente é possível avistar uma jovem tão bela que mais parece cuidadosamente desenhada, mas sempre carregando na face um olhar de solidão e um semblante docemente angustiado.

Mas tanto o retrato na parede como o do velho álbum expressa a realidade de uma moça cuja feição não omite sua tristeza. Os motivos, as causas de se deixar fotografar assim são desconhecidas. Mas nos dois retratos o mesmo semblante tomado de sentimentalismos.

Apenas imaginação, mas talvez uma desilusão amorosa, uma saudade medonha, um íntimo sentimento afligindo o coração. Ou simplesmente um jeito de ser, uma predisposição da alma, uma feição que não tencionou fingir um sorriso.

Muitas são as pessoas que nascem e levam a vida carregando uma constância triste de causar sofrimento em que as encontram. Não que sejam pesarosas ou tomadas de amarguras e desencantadas com a vida, mas simplesmente porque levam na face a flor mais triste de um jardim.


Um retrato parecido com aquele da jovem à janela ao entardecer. Todos os dias, assim que as cores do pôr do sol vão tomando os horizontes, então ela abre seu portal e se põe a mirar a vida numa tristeza infinda. Olhos que querem chorar, boca que tremula querendo falar, mas nada precisando dizer senão da solidão sentida.

Ou ainda da jovem diante do seu diário de solidão, tendo à mão uma fotografia que lhe afeiçoa ser a outra metade distante, perante uma folha em branco para escrever as dores e desilusões amorosas. Ou ainda aquelas mocinhas sonhadoras e melancólicas das páginas românticas e realistas da literatura brasileira.

Ora, Isaura, a escrava, de Bernardo Guimarães, era uma moça triste. Tanto Diva como Lucíola, da obra de José de Alencar, eram moças tristes. Sinhá Moça, de Maria Dezonne Pacheco, era uma moça triste. Carolina, a Moreninha, de Joaquim Manuel de Macedo, era uma moça triste. E tantas e mais tantas moças tristes encantaram gerações de leitores. Malvina, de Jorge Amado, também era uma moça triste e sonhadora.

Quarenta, cinquenta anos ou mais, que os retratos da moça triste se despediram daquele instante. Nenhuma notícia resta de sua tristeza daí em diante. Somente a parede e o álbum guardando a recordação de alguém que não teve motivos para sorrir nem quando retratada para a posteridade.

Há uma flor no cabelo e duas flores no olhar. A flor do cabelo quase se mistura às mechas cuidadosamente penteadas, mas as flores do olhar se lançam num vazio tão distante que fazem as pétalas serem desfolhadas. E caírem tênues sobre o jardim da face.

Acaso ainda existindo na vida, aquela mulher poderia ser novamente retratada na mesma posição, na mesma direção do olhar e no jeito terno de sua feição. Os cabelos já teriam outra cor, a face já estaria marcada pelos idos do tempo, mas a tristeza certamente seria a mesma. Assim porque a idade não molda de outra forma o que gesta os sentimentos nem o semblante triste de a tudo enxergar.

Seria ainda a moça triste. E talvez mais triste. Como a flor branca do cafezal que se dissipa para restar o grão escurecido, assim também nos retratos da vida e na própria existência.

Poeta e cronista
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