domingo, 3 de maio de 2015

FOLHAS SECAS E TRISTES

Por Rangel Alves da Costa*

O outono já vai embora, mas as folhas secas continuam caindo, acumulando nos jardins e canteiros, sendo levadas ao vento, esvoaçando a poesia escrita na angústia e no sofrimento.

O outono sempre chega com seu véu melancólico, sofre e chora. Apenas uma estação ou um período de transformação, mas muito significativo aos sentimentos sensíveis, aos corações que avistam sua poesia inversa.

Os arvoredos verdejantes tomam outra tonalidade, de um amarelo acinzentado, para depois se transformar num varal de folhas cinza, ocres, sem cor, se deixando pender ou levar pelos sopros da tarde. A vida que renasce no perecimento.

Pelos jardins, canteiros e caqueiros, em qualquer espaço residencial para cultivo de plantas, ocorre a mesma coisa. O chão é varrido das folhas caídas no meio da noite e novamente se enche daquele tapete frágil, quebradiço, entristecido. E os olhos não conseguem avistar tais acontecimentos sem que o coração entristeça.

Comparam as folhas mortas do outono à própria vida humana. Uma analogia tomada de coerência. Tudo tem o seu tempo de ser e existir, para depois se findar como cinzas ao vento. E igualmente às folhas o homem não renasce na própria seiva.

No lugar das folhas mortas surgem outros brotos, outras folhagens para o mesmo ciclo de existência. No próximo outono também cairão, serão esquecidas nos jardins solitários ou alcançadas pela voraz ventania. As que permanecem se transformarão em nutrientes para outras espécies. As cinzas servindo como alimento sobre a terra, à vida.


As folhas sempre morrem no outono, que é passageiro num ciclo de quatro estações. Neste sentido, as folhas passam por três estações na sua existência. Nascem e se tornam viçosas no inverno, ornam as flores na primavera e começam a envelhecer no verão. Quando o outono chega já está findando seu ciclo de vida.

Desse modo, diferentemente das folhas, o homem parece ter somente uma estação: outono. Até que se poderia imaginar do nascimento à adolescência como seu inverno, quando recebe toda a seiva; da adolescência à idade adulta como uma primavera, pois sempre os anos dos florescimentos e das realizações; da idade adulta à velhice como um verão na vida, ou aquele período em que as forças vão se firmando para enfrentar as dificuldades futuras, com a chegada do outono. Neste estaria a velhice, a fragilidade, o perecimento, o sopro.

Entretanto, creio ser o outono a única estação humana. O homem já nasce como folha frágil, caminha como folha que vai perdendo a seiva, e ao chegar à velhice estará espelhando a folha seca e triste, esquecida e abandonada, esperando somente que o tempo diga qual seu momento de partir. Ademais, todo o percurso do viver possui muito mais a feição do outono do que qualquer outra estação.

Vivo no permanente outono da vida e recolhendo as folhas mortas do outono nas plantas. Todos os dias limpo pelos arredores, recolho toda folha que cai, mas no instante seguinte já encontro outras folhas caídas. De vez em quando me sento num banco de praça e fico observando a dança triste das folhas pelo ar, levemente esvoaçantes, para cair e se juntar às outras tantas que jazem num tapete melancolicamente acinzentado.

A visão das folhas caindo e a percepção do acúmulo das folhas mortas debaixo dos arvoredos nunca passam ao desvão dos sentimentos. Onde muita gente vê inigualável beleza, simplesmente vejo a poesia mais triste. Não que aquele cenário de outono não seja belo pela paisagem formada, mas pela leitura do olhar que sempre avista a própria vida em cada folha que se desprende, se lança ao espaço e depois se deita naquele leito de silêncio e adeus.

Assim, em cada folha de outono também o homem. A vida frágil, o sopro do vento, o fim.

Poeta e cronista
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