Por Rangel Alves
da Costa*
Apenas uma
folha de papel em branco. Contudo, nada mais significativo que uma folha
esperando algo ser escrito, rabiscado ou desenhado. Daí que um papel em branco
é a própria liberdade esperando a ação.
Igualmente
simbolizando uma porta aberta, um caminho, um horizonte, a possibilidade de
transformação. Não como faz o vendedor que embrulha um produto, mas como faz o
sujeito que dela se aproxima com um lápis, um pincel ou giz.
A folha em
branco espera ser despertada, chamada, vivenciada. Precisa ganhar outro aspecto
e outra vida a partir de símbolos. Como a terra ávida pela semente, ela sempre
está pronta para acolher o que a mente humana seja capaz de imaginar.
A
transformação no papel em branco depende do que o pensamento deseje expressar.
Mas tudo de pouca valia sem os instrumentos apropriados para a gestação da
palavra ou do desenho. Requer lápis, caneta, giz, pincel, tinta, qualquer outra
coisa que deixe sua marca.
Contudo, mesmo
sem a palavra ou desenho a folha em branco pode ganhar outras significações.
Pode ser recortada e transformada em bandeirola, pode ser amassada e
transmudada em bola, pode ser moldada e se tornar um barquinho de papel.
Mas mesmo
continuando em branco, intocada, esquecida num canto qualquer, ainda assim
ganhará uma vida muito além da mudez do papel. Assim porque nada mais
instigante e poético que uma folha solta, esvoaçando ao vento, subindo pelos
ares, rodopiando e caindo como carta aberta.
E também os
segredos escritos pelo tempo na folha em branco. Quanto mais o papel envelhece
e vai tomando feição amarelada, e depois com tez de um ocre enferrujado, mais
parece manuscrita com algo indecifrável. A folha continua em branco, mas é como
se o próprio tempo rabiscasse mistérios e segredos.
Mas eis o
grande momento: a folha em branco diante da mão indo ao seu encontro. Os olhos
avistam o vazio, o pensamento está disposto a preenchê-lo, que seja com uma só
palavra ou ocupando todo o espaço. E quando a mão se aproxima mais a folha se
prepara para acolhê-la como faz uma amante apaixonada.
“Querido
Diário. Hoje, sábado, de manhã nublada, céu carregado de nuvens, ainda o
bondoso silêncio. E como eu queria que assim continuasse pelo restante do dia,
para abrir a janela e ouvir apenas o farfalhar das folhagens que parecem falar
comigo. Amanheci triste, mas não quero entristecer. Vou afastar as recordações
dolorosas e repetir que ainda amo, ainda amo, ainda amo. Ao menos a mim mesma”.
Ou a mão
trêmula, levando na ponta da pena um velho coração poeta, se debruça sobre a
vastidão para dizer:
“Eis o amor e
a morte em mim
o pulsar de um
coração que ama
e uma
desesperança sem fim
num só ser as
cinzas e a chama
um outono que
vai beijar o jardim
e ouve o grito
de alguém que clama
por ser lírio,
crisântemo, jasmim
ao sentir a
dor que em si se derrama”.
Mas também um
castelo desenhado por uma mão infantil, um pássaro que voa abaixo da nuvem e um
sol ao lado da lua. Um rabisco qualquer, uma palavra riscada por cima. Qualquer
coisa que foi começado e não terminado. E depois a folha é recolhida, guardada
ou esquecida. E de vez em quando é avistada no alto, derramando palavras,
corações flechados e poesias.
Poeta e
cronista
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