Por Rangel Alves
da Costa*
Quando a
Bíblia fala numa mulher vestida de sol está também se referindo à mãe
sertaneja. Diz em Apocalipse, 12: 1,2: E viu-se um grande sinal no céu: uma
mulher vestida do sol, tendo a lua debaixo dos seus pés, e uma coroa de doze
estrelas sobre a sua cabeça. E estava grávida, e com dores de parto, e gritava
com ânsias de dar à luz.
Maria, mãe de
Jesus, é a mulher vestida de sol. E sol como a luz do Espírito Santo. A lua
como seu poder de estar acima de tudo. E a coroa com estrelas representando a
força dessa mulher que tem o destino de tantos sobre sua cabeça. E prestes a
dar a luz ao poder divino sobre a terra.
Eis, portanto,
uma clara descrição da mulher, da mãe sertaneja: uma Maria, mãe de tantos Jesus
sertanejos, revestida de seu sol todo dia e incansável na sua luta pela
sobrevivência, mas adornada de um prazer maternal que transforma todos os
sacrifícios numa inigualável e singela beleza de lua cheia. Uma Maria
sertaneja, uma mãe que gesta na dor a permanência da vida, a continuidade do
mundo sertão.
Mãe sertaneja
Maria, Josefa, Lurdes, Conceição, Joana, Sebastiana, todos os nomes singelos
adornando vidas de tantas vidas. De seu ventre nasceu um, muitos Jesus, Pedro,
Antônio, João, Manoel, Luiz, Timóteo, e tantos outros que povoam a terra
sertaneja. E esta terra que também é berço de nascimento e cama de vida, pois
nela gerado o fruto primeiro para alentar a fome e todos os frutos da
existência.
Uma mãe
sertaneja reinando num céu de barro e cipó, num telhado de estrelas caindo
sobre o seu chão, e ainda assim de riqueza infinita. Eis que o amor de mãe
sobrepuja a tudo, vai muito além de qualquer materialidade da vida, para
envolver cada filho com o que de melhor possa oferecer, e o que primeiro
oferece é o cuidado, o zelo, a devoção.
O amor de mãe
da mãe sertaneja a torna sempre envolvida num misto de prazer e sofrimento, de
alegria e padecimento, de contentamento e angústia. Quanto mais empobrecida for
a mãe sertaneja mais tais aspectos se evidenciam, quanto menos puder oferecer
mais doloroso se torna o caboclo coração maternal. E a realidade exemplifica
com precisão.
Nada mais
triste para uma mãe que ouvir o choro do filho e não ter papa ou mingau para
oferecer. Nada mais aflitivo ao coração de uma mãe que avistar a fome nos
olhos, na barriga e na tristeza dos filhos, e revirar mundo e nada encontrar
para remediar o tormento. Nada mais desafiador ao sentimento de mãe que ter
dizer não ou mesmo desconversar quando o seu menino ou sua menina pede um
brinquedo, um chinelo, um caderno com lápis.
Quanto
sofrimento recai sobre a mãe sertaneja, e assim quando sabe que o filho doente
precisa de um remédio e o esposo não tem como adquirir, pois já se submeteu
demais aos interesses políticos. Quanta amargura no coração maternal ao ter de
esconder os seus quando chega visita. Ora, tem vergonha de mostrar o filho
descalço, barrigudinho de verminose, todo sujo do barro da parede.
E quanta dor
quando o seu rapazinho revela que vai embora, vai tentar a sorte na cidade
grande. Sem trabalho, sem terra molhada para plantar, sem nada que ajude na
subsistência numa idade sonhadora e tão cheia de planos, então só resta se
despedir da família e entregar a sorte a Deus noutro lugar. E a mãe, com um
lenço à mão acenando da porta de casa, sempre teme que aquele adeus seja uma
despedida maior.
Mãe que silenciosamente
sofre, mas que também ecoa a cantiga do coração. Seus olhos brilham ao sentir
que o seu está indo à escola e não para o mato carregar feixe de lenha ou para
o roçado juntar garrancho de coivara. Mãe de contentamento maior ao poder
oferecer o pão de cada dia, a não deixar que o seu sofra desde criança os
padecimentos do mundo adulto. Mãe que desde a primeira oração do dia busca a
proteção de Deus para o seu menino, a sua menina, para todos os filhos de todas
as idades.
Minha mãe era
também sertaneja: Dona Peta. E para ela – mesmo já vivendo nos jardins do céu -
e todas as mães sertanejas a mesma flor: a bela flor do mandacaru. Amarela flor
ornando a mulher vestida de sol.
Poeta e
cronista
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