segunda-feira, 11 de maio de 2015

A SECA NA CAPITAL

Por Rangel Alves da Costa*


Uma das características de Sergipe é a abundância de água na capital e região metropolitana, vez que ladeados por extenso litoral, e a seca que devasta grande parte do estado o ano todo, principalmente após os limites sertanejos. Mas tal contraste deu uma reviravolta surpreendente desde o último sábado.

Com efeito, desde o último final de semana que a seca se deslocou da região sertaneja e se instalou em Aracaju e arredores, e com todas as feições das estiagens mais desoladoras: falta de chuvas, calor terrível e principalmente a ausência de água nas torneiras. Não há água para lavar, cozinhar, tomar banho, para qualquer coisa.

Tudo começou quando a tubulação trazendo água da Adutora do São Francisco para o abastecimento da capital e região metropolitana se rompeu com a queda de uma velha ponte que servia de sustentação para canos. A ponte estava tão velha e sem qualquer tipo de manutenção que bastou que algumas pessoas e quatro animais passassem por cima para que sua estrutura inteira desabasse.

O resultado dessa tragédia aquífera redundou no desabastecimento da capital e região, deixando milhares de residências sem um pingo d’água sequer. Como a tubulação destruída abastecia cerca de 70% da população, os problemas logo começaram a surgir. E a solução emergencial encontrada não foi das melhores, pois ao invés de garantir o mínimo abastecimento acabou provocando pinga pinga nas torneiras que tinham sua situação normalizada.

Assim aconteceu porque parte da capital recebe 30% de águas de outra adutora, a do Rio Poxim, e a Deso (estatal de abastecimento de água em Sergipe) resolveu que tal montante seria redistribuído para as regiões com desabastecimento, em forma de rodízio. O problema é que ao redistribuir as águas perderam a força e mal chegaram às torneiras. Quer dizer, o problema generalizou-se e acabou deixando em difícil situação quem tinha água garantida.


Tal situação vem se alastrando desde sábado e as melhores previsões sinalizam uma solução apenas para os próximos dez dias, ou mais, pois uma nova adutora terá de ser construída. Enquanto isso as autoridades se preocupam apenas em apontar culpados pelo ocorrido. E, logicamente fugindo de suas responsabilidades de cuidado e manutenção, cuidam de culpar os quatro cavalos que passavam pela estrutura quando ela desabou.

As explicações e justificativas das autoridades são absurdas. Uma ponte, ainda que velha, e com destinação exclusiva para a passagem de tubulação de adutoras, jamais poderia ter desabado pelo simples fato de que não ter suportado o peso de quatro cavalos magros. Desabou porque não recebia qualquer manutenção, porque os canos estavam velhos e enferrujados demais, porque só se pensa em fazer alguma coisa quando a tragédia já aconteceu.

O resultado está aí. Mais de um milhão de pessoas está sem água para qualquer situação de vida, os pratos e banheiros continuam sujos, as roupas imundas estocadas, os corpos suados e malcheirosos, o pavor entre todos. E nem São Pedro veio em auxílio aos aracajuanos, pois as chuvas costumeiras dos finais de semana sequer apareceram. Não chove, não pinga, não há outra solução que não se submeter aos aproveitadores de água mineral.

Enquanto o sertão, ainda que com pouca água, toma banho, bebe, lava e faz o asseio da casa, a capital paga o preço do descaso governamental. Como tudo muda na vida, a seca também parece ter mudado de lugar. A única diferença é que ao invés de pastagens secas e paisagens desoladas, o que se tem são o asfalto enfumaçando e pessoas sem saber o que fazer. E olhando para o alto em rogos implorando uma nuvem d’água.

Segundo as próprias autoridades, a situação vai demorar a ser resolvida. Quer dizer, a seca continuará por tempo indefinido. E por isso mesmo já tem gente querendo fazer a migração inversa: deixar a estiagem malcheirosa da capital e bandear para os lados do sertão.

Poeta e cronista
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