Por Rangel Alves
da Costa*
Não há outro
livro que ensine mais que a vida. Não há aprendizagem maior que a capacidade de
reconhecer-se nos erros e acertos e procurar mudar ou melhorar. E aprender
significa não só compreender como praticar a humildade, a simplicidade, a
generosidade, o amor ao próximo.
E na vida, o
tempo, o percurso, a aprendizagem também em cada passo. Quanto mais se alonga a
caminhada mais o ser humano vai aprendendo a conhecer aquilo que por muito
tempo tratou com menosprezo ou futilidade. E igualmente a valorizar pequenas
coisas que jamais imaginou tão significativas na existência.
Confesso que
quando jovem eu quis ser além de minhas possibilidades. Mas tudo era possível.
Parafraseando Fernando Pessoa, porque eu era do tamanho do que desejava avistar
e não do tamanho da minha altura... E assim porque sempre fui sonhador e achava
que poderia transformar todos os planos em realidade.
Sorte minha
que não sonhei demais. Minha vida no sertão me fez pisar no seu chão e sentir
no calor de sua terra a importância de primeiro ser o lugar e somente depois o
mundo. E foi a vivência do lugar, em meio ao meu povo, que muito modificou meu
olhar sobre o mundo.
Relembrando
Drummond, fui menino rico. Tive ouro, tive prata, tive diamante. Ter o que eu
tive num sertão empobrecido é possuir uma riqueza descomunal. Nunca me faltou
brinquedo, comida, roupa, sapato, brilhantina, perfume, tudo tive ao meu
alcance. E poucos dos meus amigos tinham sequer a metade do que eu possuía.
E quantos
daqueles jovens sertanejos, amigos de todo instante, tiveram a oportunidade de
estudar na capital àquela época? Só Deus sabe a dor sentida quando, aos onze
anos, lá pelos idos de 74, tive de deixar Nossa Senhora da Conceição de Poço
Redondo em direção a Aracaju, cortando a distância na velha marinete de Seu Vavá.
Mas depois
percebi o quanto isso foi valioso em minha vida. Não pela formação acadêmica
que consegui, pois estudei História, Jornalismo e Direito, e hoje advogo em
escritório próprio, mas pelos sentimentos despertados de forma jamais
imaginada. E desde o dia que deixei meu sertão.
A distância, a
saudade, o amor pela terra, e mais o orgulho imenso de ser sertanejo, começaram
a moldar minha feição de tal modo que jamais o mundo conseguiria me configurar
de outro jeito. A ausência da minha lua e do meu sol, ao invés de me fazer
acostumado com uma paisagem qualquer na cidade grande, acabou me tornando ainda
mais sertanejo.
Nos fins de
semana e principalmente nos períodos de férias escolares, chegar a Poço Redondo
significava o convívio com aquilo que verdadeiramente importava em minha vida:
reencontrar os amigos, abraçar os velhos sertanejos, prosear nas calçadas,
caminhar pelo seu chão cativante e suas veredas abrasadoras. Como era bom estar
ali bebendo na mesma cuia de tanta riqueza.
Meu humanismo
e minha humildade – sem o mínimo de demagogia, acreditem – nasceram do amor ao
sertanejo, do prazer de ser amigo de cada um, do tratamento indistinto ao do
casebre distante e ao da cidade, do alimento saciado em cada causo, cada prosa,
cada gole de casca de pau. E além de ser sertanejo, ter também o sertanejo como
um igual, falando a sua palavra e acatando sua lição.
Tais aspectos
foram – e continuam sendo - de fundamental importância na minha vida. E nada no
mundo me transformaria. Sou simples, sou humilde, sou amigo, sou apenas um
sertanejo, na cidade grande ou em qualquer lugar. Sou aquele que preserva a
memória sertaneja e a cada passo a descreve nos jornais, não porque sejam
assuntos conhecidos, mas pela simples razão do amor sentido.
Mesmo estando
noutro lugar, e mais ausente da terra do que deveria, continuo tão sertanejo
como o calango do mato, o preá, o xiquexique, o mandacaru. E com o coração
sempre orgulhoso de minha raiz.
Poeta e
cronista
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