quinta-feira, 30 de abril de 2015

REFLEXÕES CASUAIS

Por Rangel Alves da Costa*

O homem que caminha sozinho conhece a sombra que o acompanha. Ao sol, não se sente desacompanhado; à noite, pode repousar no colo do amigo.

É preciso conhecer o pássaro que quer ter à janela. Ao amanhecer são muitos os gorjeios, os voos, os pousos, a festa passarinheira. Ao anoitecer, os pios agourentos que tramam os desatinos e os infortúnios.
Necessário não deixar que a solidão torne o solitário totalmente sozinho. A solidão deve ser convívio, interação da pessoa consiga mesma, um instante ideal para a reflexão. E não o vazio completo e angustiante.

O velho e o menino possuem os mesmos sonhos, os mesmos desejos, as mesmas inquietações. Só que o menino esquece ao encontrá-los, e o velho tudo faz para que não se dissipem de suas esperanças.

Não há nada mais triste que uma casa abandonada, uma porta fechada e uma janela ao sopro do vento. E ainda mais triste alguém dentro da casa e a porta e a janela permanecendo fechadas ao alvorecer. Não há vida que não mereça o sol da manhã e o perfume novo da primeira brisa.

Engana-se aquele que egoisticamente imaginar ser único e absoluto. Possui o nome, mas o sobrenome não é seu. Desde a feição ao jeito de ser, tudo numa linhagem que remonta aos primeiros familiares. É tal junção do passado que lhe permite ter uma identidade, mas sem renegar suas origens e seus laços consanguíneos.

Não há doce ou cocada que não requeira uma pitada de sal. A doçura extrema acaba açucarando ou tornando com gosto intragável o adoçado. Por isso que ninguém deseje a alegria incontida, a felicidade extrema, o prazer sem limite. Instantes de dor e de sofrimento são como pitadas de sal tão necessárias à vida.


A vida é curta demais diante da eternidade da morte. Oitenta, cem ou mais anos de vida, mesmo de longa duração terrena, nada significa aos olhos que se fecham ao além. Ou haverá a morte da morte também?

Igualmente à estrada, a vida nunca segue numa só direção. A estrada encontra outras estradas e muitas vezes se deixa levar por outros caminhos. Ou o ser humano sabe a direção que deseja seguir, o mundo adiante que deseja alcançar, ou logo será levado a veredas difíceis de reencontrar-se.

A sede adoça a água salobra e a fome torna em manjar um resto adormecido de pão. Sem fome nem sede, tanto faz que uma jarra esteja servida sobre a mesa repleta de guloseimas. Mas tem gente que sequer guarda um copo de água ou um pedaço de pão. E depois retorna faminto e sedento ao que não existe mais.

Ter medo da chuva é fugir da renovação, da purificação, da esperança. As ruas se lavam, os campos se molham, as fontes se enchem, a vida se inunda de águas novas. E não é diferente com o ser humano. Reencontra seu útero e de braços abertos se faz germinar.

A melancia talvez simbolize a inverdade além da aparência. O coco talvez simbolize o poder de geração interior. A acerola talvez simbolize a grandeza na aparência minúscula. O araçá talvez simbolize a magia além da doçura. O sapoti talvez simbolize o amor quando se torna paixão. E o homem simboliza o que?

Não há chamado que não tenha resposta. Mas a voz é sempre menos ouvida que o coração. Quando este fala não há como não ouvi-lo e possibilitar que tudo silenciosamente aconteça. Assim a palavra silenciosa da prece, da oração.

O pintor é o mesmo em todas as estações. E a mesma beleza avistável nas suas paisagens. É apenas uma forma de dar outra tonalidade à sua pintura quando coloca menos cor no outono do que na primavera.

O sol espalha, alvoroça e queima, como a lua que retrai, sensibiliza e aflige. Daí a alegria fingida no dia e o sofrimento inevitável na noite. Eis que a euforia se cansa e se recolhe como tristeza.

Poeta e cronista
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