Por Rangel Alves
da Costa*
A Sexta-Feira
é santa e de penitências, rezas e vigílias. Desde a quarta-feira que fiéis se
envolvem com os mistérios sagrados da data. Mas também lugar para outros
mistérios menos religiosos e sempre assustadores. É o período do surgimento em
maior monta de fogos-corredores, com a mula-sem-cabeça, e de lobisomens
assustadores e torturados pelo destino do retorno a cada quaresma.
Mas antes
mesmo da quarta-feira de cinzas outras monstruosidades começaram a amedrontar
por todas as regiões. O monstro do preço, da carestia absurda dos alimentos
próprios da data. Verdadeiramente absurdo o que se cobra por um quilo de
bacalhau de baixa qualidade e procedência duvidosa. No mínimo setenta reais. Os
outros pescados não ficam atrás. Não se paga menos de quarenta reais por um
quilo de surubim, vermelha ou qualquer peixe grande de água doce. O coco
ralado, pequeno, que estava por quatro reais, logo passou a sete. Batatinha,
coentro, azeite, tomate, tudo vendido a preço que chega a ser uma afronta ao
bolso assalariado.
Quem é
apreciador de camarão e resolveu adquiri-lo, certamente chegou perto de
enfartar, de ter um chilique na hora. Um quilo de camarão pequeno não custa
menos que cinquenta reais, setenta dos médios e chegando a cem dos grandes. Não
é menos do que isso um quilo de pitu de água doce. Com razão, um amigo sempre
repete que não se conforma de jeito nenhum com o preço cobrado pelo pescado. E
justifica: porco, gado e bode, que demandam alto custo na criação, suas carnes
são vendidas a preços baratos demais com relação ao pescado. E pelo que sabe
nenhum peixe ou camarão é criado em pasto durante anos e provocando constantes
despesas ao criador.
Voltando aos
outros temores da Semana Santa, verdade se diga que as preces não se voltam
apenas aos reverenciamentos sagrados. Muitas mãos se juntam, muitos joelhos se
dobram, muitas bocas murmuram, rogando a Deus para não serem avistados nem
alcançados pelos olhos vermelhos, dentes afiados e cabeças flamejantes, dos
seres assustadores que vagam nas escuridões dos quintais, nas estradas,
próximos aos cemitérios. Aqueles que já tiveram a desdita de se deparar com os
bichos da quaresma afirmam que não é nada religioso estar diante de um pecador
voltado do outro mundo num corpo de bicho afogueado.
Os relatos de
avistamento de lobisomens e mulas-sem-cabeça sempre se acentuam quando tem
início a quaresma, e por quarenta dias permanece o medo desenfreado. Contudo,
são nos três dias da Semana Santa que as estripulias acontecem mais. E da
quinta para a sexta então. Correrá sério risco aquele que se arriscar a
caminhar sozinho pela noite ou madrugada, ainda que se diga que tais bichos só
fazem assustar sem cometer qualquer mal contra a pessoa. Mas um susto “assustador”
possui consequências terríveis, e muita gente já se perdeu pela mata depois de
uma carreira no meio da escuridão.
Conheço um
sertanejo que enlouqueceu depois de avistar no quintal um lobisomem que até
falava. E falando disse o seu nome, e outro não era senão o safado do sacerdote
que ao bater as botas deixou mais de dez filhos espalhados pela paróquia.
Depois de morrer passou a retornar como lobisomem para pagar seus pecados. Já
outro, com praga rogada pela própria mãe cansada de apanhar do filho ruim,
voltava como fogo-corredor. Era avistado correndo pelos quintais e caminhos com
corpo de jumento e labaredas de fogo no lugar da cabeça.
Assim, depois
do anoitecer desta quinta-feira e se prolongando até o alvorecer da aleluia,
muitas povoações interioranas se tomaram de verdadeiro apavoramento. Fruto de
um medo que vem de longe, das primeiras raízes das gerações, desde crianças a
idosos, todos acreditam na ronda noturna – e até durante as sombras do dia –
das almas penadas que voltam na forma de bichos assustadores. Conheço muita
gente que certamente terá a mesma sina desse pavoroso retorno. E até na cidade
grande, no negrume velado dos dias. É um mundo de lobisomens.
Poeta e
cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
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